::: SETE MENTIRAS DISFARÇADAS DE CIÊNCIA II :::
No
espírito do dia 01 de abril, destaco sete ideias físicas erradas (ou
mentirosas). E são sete porque, segundo ditado popular, "sete é conta de
mentiroso".
O LHC pode destruir o mundo
CERN
As
notícias científicas, quando vão para a mídia não especializada, quase
sempre recebem uma “maquiagem”. Não é raro, neste retoque, jornalistas
aumentarem as coisas. Não gosto disso. Mas há quem defenda que
assim “vendem” melhor as notícias.
No caso do LHC - Large Hadron Collider, houve muitas especulações quando ele estava para ser ligado em 2008.
As
colisões em energia recorde na história da Física de Partículas vão
reproduzir condições semelhantes às que existiam no início do
Universo. A ideia é detectar partículas que surgiram logo após o Big
Bang(1) e que nos mostram como a matéria se organizou para
formar o Universo. Mas isso está muito longe de dizermos que vão fazer
um novo Big Bang que poderia dar “boot” no Universo atual! Percebe a
diferença?
A energia das colisões de prótons no LHC chegará a 14TeV (14.1012 eV). Atualmente o LHC trabalha a 50% da sua capacidade (7 TeV por colisão). Na natureza já foram detectados raios cósmicos com energia da ordem de 1020 eV, bem maiores do que os 14.1012 eV, um recorde humano mas longe de ser um recorde no Universo. Como é que a própria natureza não se autodestruiu até hoje?
Se o mundo acabar, certamente não será por causa do LHC.
A Terra é uma esfera
ESA/HPF/DLR
A
Terra não é perfeitamente esférica. Sabemos que o nosso planeta não é
como uma bola de bilhar, uma esfera lisa e perfeita. A Terra é “quase”
uma esfera. Mas no “quase” escondem-se sutilezas.
Em
primeiro lugar, a Terra tem relevo. Mas vamos além: como gira, nosso
planeta tem diâmetro ligeiramente maior no equador onde, com maior
velocidade tangencial, a matéria tende a escapar pela tangente, por
inércia. Por isso sempre lemos nos livros que a Terra é redonda, mas
ligeiramente achatada nos pólos. Na verdade ela é "mais gordinha" no
equador pelo efeito da rotação.
Mas
a coisa não para por aí. A mais rigorosa maneira de caracterizar a
forma de um planeta é fazer uma mapa da sua gravidade, o que leva em
conta a distribuição de massa em todo o globoe que, certamente, não é
homogênea. Este mapa da gravidade, que diferencia por cores as
superfícies equipotenciais(2) gravitacionais, é conhecido como geóide.
Ontem a ESA – Agência Espacial Européia divulgou o resultado de uma pesquisa de dois anos que, através do satélite GOCE, pretendia encontrar o melhor geóide do nosso planeta. A imagem acima é o resultado final deste trabalho. Clique aqui para abrir animação desta geóide direto do site da ESA.
Mas
cuidado: não se trata de uma imagem topográfica do planeta! Esta não é a
forma da Terra, o que vemos quando a olhamos do espaço, pelo menos com
olhos que detectam radiação eletromagnética visível (ou luz). Os “olhos”
do satélite que fez este mapa conseguem “ver” a gravidade, ponto a
ponto da superfície terrestre.
A Terra não é perfeitamente esférica. Mas nem tão “deformada” quanto o geóide medido pelos cientistas da ESA.
A água sempre ferve a exatos 100oC
mundogalmour.com.br
A água só ferve a 100oC ao nível do mar, onde temos a pressão atmosférica de 1 atm = 1,013.105 Pa(3) = 760 mmHg.
Para
entrar em ebulição, ou ferver - como dizemos em linguagem cotidiana, as
moléculas de água devem atingir um estado de agitação tal que tenham
energia para “decolar”, ou seja, para abandonar a massa de água pela sua
superfície e atravessar a fronteira como ar, indo para a atmosfera.
Na
prática, se a pressão do ar é grande, uma moléculade água que tenta
saltar para fora do líquido pode colidir com uma partícula do ar,
ricocheteando e voltando para a massa líquida, não conseguindo migrar
para o estado gasoso, ou seja, não conseguindo se libertar do estado
líquido. Note que a atmosfera funciona como uma “tampa” natural que
dificulta a passagem das moléculas do estado líquido para o gasoso.
Confira
na tabela abaixo os valores de temperatura de ebulição da água para
diversos valores de pressão (760 mmHg é a pressão atmosférica ao nível
do mar).
Vale
lembrar que, numa panela de pressão, o próprio vapor d'água que se
forma faz a pressão interna crescer. Como consequência, a temperatura de
ebulição da água dentro da panela fica maior do que 100oC. E, quanto maior a temperatura, mais fácil amolecer, ou seja, cozinhar os alimentos mais duros.
É impossível viajar no tempo
Eu diria que viajar no tempo é complicado. Mas não impossível!
Para
o futuro é um pouco menos complicado. De acordo com a Teoria da
Relatividade Restrita (ou Especial) de Einstein, quando viajamos com
velocidades altas em comparação com a velocidade da luz, o tempo passa
mais devagar. Pode parecer estranho para nós que vivemos num mundo não
relativístico, ou seja, de velocidades muitíssimo menores do que a
velocidade da luz. Mas é um fato cientificamente comprovado.
Sendo assim, se eu sair viajando com uma nave à velocidade média V = 0,8c (onde c = 3.108 m/s,
a velocidade da luz no vácuo), quando eu voltar, o tempo para mim terá
passado mais devagar. No entanto, na Terra o tempo fluiu no ritmo
normal, mais depressa do que dentro da nave.
Como
efeito desta diferença no fluxo do tempo, uma viagem que durou 10 anos
medidos aqui na Terra, no meu relógio (que viajou comigo dentro da nave)
duraria apenas 6 anos! Sendo assim, quando eu voltar, estarei quatro
anos no futuro! (Os cálculos vou deixar para um outro post, ok?)
Pela
Teoria da Relatividade Geral, em tese, também seria possível uma grande
quantidade de massa curvar o tecido do espaço-tempo a ponto de criar um
atalho tanto no espaço quanto no tempo. Neste caso, o atalho temporal
pode ser interpretado como uma possível viagem no tempo. Mas não temos a
menor idéia de como fazer isso que, por enquanto, é algo absolutamente
teórico.
A luz sempre se propaga em linha reta
Lawrence Manning/Corbis
Em
Óptica clássica dizemos que a luz se propaga em linha reta nos meios
homogêneos e transparente. Mas, se o meio não for homogêneo, a luz pode
sofrer desvio.
Num
cômodo na sua o ar é homogêneo e transparente. Nele, raios de luz
certamente se propagam em linha reta, como os múltiplos raios da fonte
laser na imagem acima. Mas, toda vez que a luz muda de meio, dependendo
do ângulo de incidência, pode mudar também de direção, ou seja, pode
sofrer um desvio.
Imagine
um meio em que a densidade aumente gradativamente, ou seja, um meio que
não é homogêneo. Neste meio a luz pode fazer curva. Na verdade, não é
bem uma curva que a luz faz. É que podemos imaginar que este meio de
densidade variável é uma justaposição de lâminas discretas de densidades
distintas. E, quando passa de uma lâmina para outra, a luz sofre um
desvio. Para infinitas lâminas, ou seja, para a densidade do meio que
varia continuamente, não vemos mais desvios individuais e temos a
sensação de uma curva suave, contínua. Confira na figura abaixo.
É
isso o que acontece na atmosfera do nosso planeta que, para grandes
altitudes (cerca de 100 km) é bem sutil, bastante rarefeita, mas vai
aumentando a sua densidade na medida em que nos aproximamos da
superfície terrestre. A luz que, por exemplo, vem de uma estrela
distante, propaga-se em linha reta no vácuo interestelar (meio
transparente e homogêneo). Mas, ao penetrar na atmosfera, sofre
infinitos desvios que produzem o efeito de uma curva contínua, como na
ilustração a seguir que de propósito está fora de escala.
Por isso mesmo um observador O na Terra não vê a estrela na sua posição correta (E) mas ligeiramente deslocada para outro ponto (E’).
E
não podemos esquecer de que, segundo a Teoria da Relatividade Geral de
Einstein, a luz também pode fazer curva por causa da presença de massa.
Para Einstein, a massa deforma o espaço-tempo. E a luz segue esta
deformação, fazendo curva.
Tudo o que é aquecido sofre dilatação térmica
mercury pictures
Para a maioria das substâncias isso é verdade. Mas não dá para generalizar esta afirmação.
A água, por exemplo, tem um curioso comportamento anômalo. Entre 0oC e 4oC seu volume diminui mesmo com o aumento de temperatura.
Essa
sutileza no comportamento da dilatação térmica da água é fundamental
para que num lago, por exemplo, a água nunca congele em bloco. Quando a
água está próxima de 0oC, seu volume aumenta e, portanto, sua
densidade dimimui. Por causa do empuxo, essa camada de água quase
solidificando sobe e congela superficialmente no lago. A camada de gelo
superficial iisola termicamente o restante da água do lago que,
portanto, não mais congela, permanecendo líquida. Isso permite aos seres
dentro do lago manterem-se vivos na camada líquida da qual retiram
gases vitais. Se a água não se comportasse assim, de forma anômala,
certamente não haveria vida no planeta! Esse é só um dos detalhes que
permitiram a vida na Terra! Incrível, não?
Corpos mais pesados sempre caem mais rápido
Vídeo: queda do martelo e da pena na Lua (homenagem a Galileu)
“Mentirinha” clássica! Mas muito difundida como se fosse verdade! Cuidado!
Durante a queda, há duas forças que devem atuar num corpo: Peso (P) para baixo, que corresponde ao puxão gravitacional da Terra, e atrito aerodinâmico (Aar)
para cima que representa a dificuldade do corpo atravessar uma camada
de ar. Geralmente idealizamos o problema, em especial no ensino médio,
considerando desprezível o atrito aerodinâmico que depende do tamanho e
da forma do corpo além da velocidade que ele vai atingir.
Para corpos pequenos e que vão cair de alturas pequenas, o Aar pode ser descartado sem prejuízos ao resultado final. Sendo assim, a única força que atua no corpo é o peso dado por P = m.g.
Em outras palavras, o peso é a força resultante R sobre o corpo. Pelo Princípio Fundamental da Dinâmica (ou Segunda Lei de Newton) teremos:
R = m.a
Mas R = P = m.g
Portanto, m.a = m.g.
Dividindo os dois lados da expressão acima por “m”, temos: a = g. Concluímos que, independente da massa m (e portanto do peso P), em condições ideais, diferentes corpos caem sempre com a mesma aceleração que corresponde à aceleração da gravidade local.
Na
Lua, onde a atmosfera é imperceptível, não temos atrito com o ar. Dois
corpos, um mais pesado e outro mais leve, se forem abandonados da mesma
altura e ao mesmo tempo, sempre cairão lado a lado, com a mesma
aceleração. E portanto chegarão junto ao chão. Veja acima o vídeo que
mostra o astronauta Dave Scott da Apollo 15 homenageando Galileu que já
tinha intuído essa idéia e afirmado que “se soltarmos no vácuo, no mesmo
instante e na mesma altura, um martelo e uma pena, ambos chegarão
juntos ao chão”. O experimento na Lua confirmou esta idéia!
(1) Big Bang é nome que se dá ao processo que deu origem ao nosso Universo.
(2) Superfícies equipotenciais, como o nome sugere, são superfícies que agregam pontos de mesmo potencial. No caso o potencial é gravitacional. No ensino médio é mais comum os alunos construírem superfícies equipotenciais elétricas.
(3) Pa (pascal) é a unidade de medida de pressão no S.I. (Sistema Internacional de Unidades). Pa = N/m² (pascal equivale a newton por metro quadrado lembrando que no S.I. N é unidade de força enquanto m² é unidade de área).
(4) Na verdade, com a altitude, a atmosfera fica mais rarefeita. Neste sentido, com o aumento da altitude, há menos ar.
prof. Dulcidio Braz Júnior (às 14h41)
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