A MENTE QUE SE ABRE A UMA NOVA IDEIA JAMAIS VOLTARÁ AO SEU TAMANHO ORIGINAL.
Albert Einstein

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Vuvuzela: o som da copa


Fonte: Professor Dulcidio Braz Jr

A trilha sonora da Copa do Mundo de Futebol 2010 na África do Sul já está irremediavelmente definida: Vuvuzelas em coro! Nenhum outro som será mais marcante do que esta sinfonia de zumbidos nos estádios!
A gente assiste a uma partida na TV e, mesmo depois que o jogo termina, aquele maldito "som de abelhas" ainda fica ecoando nas nossas cabeças! Dizem que tem gente assistindo às partidas no estádio com tampão de ouvido porque o som ao vivo é insuportável.
A Vuvuzela é uma espécie de corneta tradicional na África e que em sua versão atual, modernizada, é feita de plástico. Não tem nada de sofisticado. Trata-se de um tubo vazado que deve ser excitado por um sopro forte e contínuo numa de suas extremidades.
Os tubos que podem vibrar e emitor sons são chamados em Física de tubo sonoros e são classificados em abertos ou fechados. O aberto é vazado, ou seja, tem as suas duas extremidades abertas. O fechado tem uma extremidade aberta e a outra fechada. É o que nos mostra a figura abaixo.


A Vuvuzela é um tubo do tipo aberto.


Os tubos sonoros não podem produzir qualquer som. As condições de contorno do sistema (extremidade aberta ou fechada) forçam o aparecimento de apenas alguns sons "permitidos" chamados de harmônicos e que correspondem a modos de vibração bem específicos. Isso ocorre porque na prática, quando um som viaja dentro do tubo, pode sofrer reflexões e refrações. Assim, temos sons indo e vindo dentro do tubo, viajando na mesma direção mas em sentidos opostos. Quando estes sons se encontram, ocorrem superposições e formam-se estacionárias que são figuras que mapeiam a interferência sonora ao longo do tubo. Em certos casos, a superposição acontece com sons em fase e há uma intereferência do tipo construtiva pois os dois sons se somam, "construindo" um som mais forte (ponto de reforço). Noutros casos ocorre o oposto, com intereferência destrutiva, pois os dois sons se cancelam ou "destroem-se" (ponto de atenuação). Onde a interferência é construtiva dizemos que forma-se um ventre e onde a intereferência é destrutiva um nó.
Nas extremidades abertas dos tubos sempre temos ventres (IC = interferência construtiva) enquanto que nas extremidades fechadas temos nós (ID = interferência destrutiva). Confira na figura abaixo os perfils das onda sestacionárias mais simples formadas nos tubos abertos e fechados:



Os harmônicos (ou modos de vibração) que vão se formar numa Vuvuzela (tubo aberto) serão:



Note que L é o comprimento do tubo enquanto que λ é o comprimento de onda da onda sonora que se propaga dentro deste tubo. Note ainda que, pelas condições de contorno (ambas as extremidades abertas), os sons "permitidos" (ou harmônicos) na Vuvuzela devem ter ao longo da extensão L um número inteiro (1, 2, 3, 4, 5, ...) de semiondas, ou seja, 1λ/2, 2λ/2, 3λ/2, 4λ/2, 5λ/2, e assim por diante. Logo, a Série Harmônica (ou sequência de sons "permitidos") dentro da Vuvuzela será:

•n = 1 - Primeiro harmônico:

•n = 2 - Segundo harmônico

•n = 3 - Terceiro harmônico

e assim por diante.

Podemos generalizar a formação dos harmônicos através da série matemática abaixo onde n = 1, 2, 3, 4, 5,.., N é o que chamaremos de número de ordem do harmônico:


Note que podemos generalizar ainda mais a Série Harmônica escrevendo que para o harmônico de ordem N vale λN = λ1/N enquanto que fN = N.f1. Desta forma, se conhecermos os valores de comprimento de onda e frequência do primeiro harmônico podemos facilmente encontrar os valores de comprimento de onda e frequência de todos os outros harmônicos, como nos mostra a tabela abaixo:

Harmônico λ f
1 λ1/1 1f1
2 λ1/2 2f1
3 λ1/3 3f1
4 λ1/4 4f1
5 λ1/5 51
6 λ1/6 6f1
7 λ1/7 7f1
8 λ1/8 8f1
9 λ1/9 9f1
10 λ1/10 10f1

Uma Vuvuzela típica tem comprimento aproximado L = 68 cm = 0,68 m. Dentro dela o som se propaga com velocidade próxima a V = 340 m/s. Podemos estimar o valor da frequência f1 para n = 1, o primeiro harmônico que se forma na coluna de ar no interior da Vuvuzela:
f1 = V/2L = 340 / 2 x 0,68 = 340 / 1,36 = 250Hz
O primeiro harmônico (ou fundamental) é grave, compatível com a sonoridade de "zumbido" da Vuvuzela. Mas ela não emite só este harmônico. O seu timbre característico corresponde à superposição de outros harmômicos. E agora, de posse do valor da frequência f1 podemos encontrar todos os outros valores de frequência (f2, f3, f4, ...) dos próximos harmônicos. Isso já está feito na tabela abaixo usando a ideia fN = N.f1 desenvolvida acima.

Harmônico f(Hz)
1 250
2 500
3 750
4 1000
5 1250
6 1500
7 1750
8 2000
9 2250
10 2500

Observação: A cada vez que a frequência sonora dobra dizemos que subimos uma oitava. Assim, o harmônico n = 2 é a oitava do harmônico n = 1 (pois f2 = 2f1 ) assim como o harmônico n = 4 é a oitava do harmônico n = 2 (pois f4 = 2f2) e assim por diante. Assim, a Série Harmônica vai reproduzindo a cada harmônico novas notas musicais, cada vez mais agudas, ou seja, com frequências mais altas. Mas nem todos os harmônicos (ou notas) têm a mesma intensidade (ou volume). Desta mistura de diferentes notas (harmônicos) em diferentes intensidades (volumes) é que temos o timbre, o perfil de onda inconfundível da Vuvuzela.

:: Som Literalmente Ensurdecedor


A tabela acima contém dados reais de um experimento realizado pelo SAMJ - South African Medical Journal que mediu níveis de intensidade sonora média (N) de diversos harmônicos de uma Vuvuzela típica em quatro pontos diferentes: na orelha do tocador da Vuvuzela, na saída da corneta, a 1m e também a 2m desta saída.
Para você ter uma ideia quantitativa, o limiar da audição humana corresponde ao nível de 0 dB (zero decibéis). Uma conversa normal chega a 60 dB. Um aspirador de pós a 70 dB. A buzina de um automóvel bem com uma sirene pode chegar a 110 dB, mais ou menos o mesmo nível sonoro de um show de rock. Com 120 dB vibrações intensas no tímpano já podem produzir dor e desconforto. É o que chamamos de limiar da dor. Uma turbina de avião ultrapassa esse limite pode gerar ruídos de mais de 120 dB nas suas proximidades. Note que, para alguns harmônicos, em certas frequências, uma Vuvuzela não fica muito atrás de uma turbina de avião quando se trata de nível de intensidade sonora! Não é pouco!
Um som contínuo acima de 85 db já pode provocar danos auditívos. Por isso, pessoas que trabalham expostas a ruídos intensos e por muito tempo devem usar protetores (ou abafadores) auriculares. E, com eu disse acima, muita gente tem feito uso de abafadores sonoros nos ouvidos para poderem assistir aos jogos da Copa do Mundo 2010 nos estádios com um mínimo de conforto.
Não foi por acaso que o SAMJ publicou artigo com as medições de níveis de intensidade sonora dos harmônicos da Vuvuzela. A ideia era alertar a todos de que as Vuvuzelas podem , de fato, fazer mal para a boa audição!


:: Observação Importante sobre Intensidade Sonora


A escala de nível de intensidade sonora N não é linear, é logaritmica, como a escala Richter usada para medir abalos sísmicos (veja aqui e também aqui).
No caso da intensidade sonora, seu valor em dB (decibéis) é sempre encontrado fazendo-se o seguinte cálculo:



onde I é a intensidade sonora do som aferido e I0 = 10-12 W/m² a menor intensidade do som que uma pessoa com audição saudável pode ouvir.
Amigos, fica aqui uma dica para os vestibulandos: a acústica das Vuvuzelas é tema "quente" para os próximos vestibulares!

3 comentários:

  1. Excelente post, professor.
    Trouxe boas recordações do 2° ano, hein.
    continue escrevendo.
    um abraço

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  2. Professor a fisica esta em tudo. ate em um simples pedaço de plastico mais com formas, tudo vira uma formula.

    Noel Oliveira PEDF11 - IFAM

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  3. Foi o assunto em que eu mais fiquei perdido. Mas eu lembrei certas coisas. hehe

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