Livro usa a ciência para explicar os poderes de super-heróis e vilões
É um pássaro ou um avião? Não, é a força da gravidade! Quando surgiu em
1938, o Super-Homem veio com uma força sobre-humana, era dono de um
traje colorido e um cabelo impecável, mas o bom moço ainda não sabia
voar. Nas 13 páginas de sua primeira história, ele conseguia, apenas,
saltar os arranha-céus com um único impulso.
Clark Kent e a física viveram assim, em paz, por alguns anos, até que a
audiência falou mais alto. Foi para aumentar o apelo do personagem e,
principalmente, o das vendas de gibis que os autores da DC Comics
incrementaram as habilidades do Super-Homem. Mesmo que fosse preciso
abandonar a ciência dali em diante.
"Sem dúvida, o poder de voar é um dos mais difíceis, dos mais
improváveis [de acontecer]. Mas deve ficar claro que o Super-Homem, em
suas primeiras aventuras, não voava, mas dava grandes saltos. E isso
ocorria graças à diferença de gravidade entre o seu planeta, Kripton, e a
Terra", explica ao
UOL o jornalista Juan Scalliter, autor de
A Ciência dos Superpoderes, lançamento da Cultrix (R$ 39,90).
O argentino levou cerca de um ano investigando quais teorias e
pesquisas científicas poderiam justificar os poderes de 60 super-heróis,
vilões e anti-heróis, trazendo para a vida real o que só havia nas
histórias em quadrinhos.
Ninguém pode sair voando como Super-Homem, lembra o jornalista
científico, mas pode contar com membros artificiais guiados pelo
pensamento, como faz Dr. Octopus, o inimigo do Homem Aranha; recuperar a
mobilidade e aumentar a força com a ajuda de exoesqueletos, poder
esbanjado pelo Homem de Ferro; e até criar um "super-humano" aos moldes
do Capitão América, graças ao avanço das terapias gênicas.
"Estes poderes são apenas alguns exemplos [do que as pessoas podem
ter]. E, se eles não estão disponíveis agora, é porque, muitas vezes, a
ciência avança mais rápido do que a lei e, por vezes, até mais rápido do
que a própria humanidade", defende Scaliter. "E isso é quando ocorrem
os conflitos... e os vilões surgem", brinca ele.
O tom leve da brincadeira de ser super-herói por um dia – ou pela vida
toda – não afasta a precisão do estudo científico. Para escrever as 266
páginas do livro, Scaliter entrevistou mais de 20 cientistas cujas
pesquisas são destaques nos campos da física à astronomia, da medicina à
biotecnologia. E ele não parou por aí, conversou até mesmo com campeões
do esporte.
"Para o capítulo do Daredevil [Demolidor, da Marvel], eu falei com um
campeão da Copa do Mundo de Futebol para Cegos que me contou as suas
próprias experiências, de como ele conseguia ser guiado no campo somente
através do som."
Há mais de 70 anos, Aquaman é o rei dos sete mares das
histórias em quadrinhos. Quando Arthur Clark Jr. mergulha no seu
reinado, ele consegue nadar em alta velocidade, respirar debaixo d'água e
se comunicar com os organismos marinhos. A ciência pode não ter
decifrado o baleês nem a língua dos golfinhos, mas os biólogos já sabem
que os "cetáceos têm uma linguagem que funciona por meio de ondas
sonoras", parecido com o que faz o personagem da DC Comics, ressalta o
jornalista Juan Scalliter, autor do livro "A Ciência dos superpoderes",
lançamento da Cultrix
O preparo do corpo e da mente, com uma ajudinha da tecnologia, fazem
Batman derrotar seus arqui-inimigos na ficção. Você pode não ter a
fortuna da família Wayne, mas, em breve, terá a chance de vestir uma
roupa tão inteligente quanto a do Homem Morcego, garantem projetos com
polímeros inteligentes. Os pesquisadores da Universidade de Linkoping,
na Suécia, já criaram uma fibra de poliamida que é capaz de identificar
se a pessoa está sentindo frio ou calor. Já Gordon Wallace, da
Universidade de Wollongong, na Austrália, desenvolve um tecido que capta
a energia solar para transformá-la em eletricidade, fonte ideal para
carregar desde MP3 até computadores em pleno campo de batalha.
Steven Rogers não se transformaria no Capitão América só
com o soro que ele recebeu em plena Segunda Guerra Mundial. O coquetel
de hormônios da década de 1940 provocaria muita acne, oscilações de
humor e redução dos testículos do supersoldado, segundo o livro "A
Ciência dos Superpoderes". Por enquanto, a genética permite um
desenvolvimento muscular mais eficiente, tratamento bastante em voga
entre atletas olímpicos, mesmo que não seja tão imbatível quanto o dos
quadrinhos.
A cor de alienígena e o símbolo de um átomo cravado na testa indicam que
a física nuclear impera entre os poderes de Doutor Manhattan, da série
cult Watchmen. Depois que seus "campos intrínsecos" foram desintegrados
em um experimento desastroso de laboratório, o super-herói consegue
reconfigurar os átomos tanto de sua anatomia quanto do espaço-tempo.
Para repetir o feito dos quadrinhos na vida real, seria preciso um
acelerador de partículas um bilhão de vezes mais potente que o Cern - o
problema é que isso transformaria o doutor em física em um patê
subatômico.
Ninguém é páreo para o Flash: quem mais desafia - e ganha - das teorias
do físico Albert Einstein? Nas histórias em quadrinhos, ele consegue
bater a velocidade da luz graças a uma bolha que engana o atrito. Na
vida real, porém, ele não chegaria nem perto dos 300 mil quilômetros por
segundo. Quando suas pernas o fizessem atingir a barreira do som (340
metros por segundo), ele não conseguiria mais respirar, pois não teria
força para expulsar o ar dos pulmões; a hipervelocidade poderia rasgar
sua mandíbula e inchar sua boca; a pressão do ar explodiria seus olhos;
e, pior, ele não seria mais capaz de ouvir nenhum barulho, pois os
gritos de socorro estariam "mais lentos" que ele.
Depois de ser contaminado em um terreno irradiado por um reator nuclear,
William Baker passou a ser a areia nos olhos do Homem Aranha. É que o
Homem Areia molda a densidade e o tamanho do seu corpo para atingir a
rigidez da areia molhada ou, ainda, se transformar em uma tempestade de
areia que sufoca seus inimigos. De acordo com a área de mecânica de
materiais granulares, a areia pode ser mesmo bastante resistente: ela
suporta o dobro do peso em pressões baixas e, quando recebe a dose certa
de água, seus grãos ficam rígidos e ligados pelas moléculas de H2O. Mas
Ralf Cord-Ruwish, da Murdoch University, foi além dos estudos e criou
um spray que transforma a areia em rocha. Com uma mistura a base de
cálcio e bactérias, ele solidifica a areia até uma consistência de
mármore, tecnologia que possibilitará, no futuro, a construção de
estradas no deserto e a solidificação da costa marinha para a mineração.
Nos quadrinhos, Peter Parker desenvolveu um tecido muito resistente para
se equilibrar entre os arranha-céus de Nova York e, assim, combater o
crime com mais agilidade. E não foi à toa, já que as aranhas são as
responsáveis pela fibra mais forte da natureza, que suporta 20 mil
quilos por centímetro quadrado. Segundo o livro "A Ciência dos
Superpoderes", o polímero mais próximo do poder do Homem Aranha é o
Spectra, derivado do polietileno. A fibra, diz o fabricante, é dez vez
mais forte que o aço e 40% mais resistente que as fibras sintéticas de
aramida
Tony Stark ora atende como um playboy milionário e
beberrão, ora como super-herói. Com uma armadura de ferro e um
dispositivo magnético no peito, o Homem de Ferro é a personificação dos
supersoldados que estão entrando em campo atualmente. E tudo graças a
Steve Jacobsen, pesquisador da Universidade de Utah, nos Estados Unidos,
que criou o XOS 2, um exoesqueleto cheio de sensores e um computador
que fica escondido em uma mochila nas costas. Esse equipamento militar
faz qualquer objeto parecer 17 vezes mais leve do que realmente é,
facilitando a vida de quem o usa acoplado ao corpo.
Só nos quadrinhos para a radiação gama conferir
superpoderes a um cientista. Na vida real, a radiação eletromagnética
provoca ionizações extremamente fortes nos átomos: eles retiram o
elétron da órbita e obrigam o restante do átomo a se rearranjar com
fótons radioativos. Assim, uma reação em cadeia é promovida na estrutura
química das células do corpo, o que traria efeitos danosos ao
personagem Bruce Banner. As pessoas expostas à radiação gama sofreriam
com fortes dores de cabeça e mutações nos membros e órgãos antes de
morrerem, sem a menor chance de viver como Hulk por um segundo.
Juan Scalliter, autor do livro "A Ciência dos superpoderes", não se
interessou muito pelo anel superpoderoso do Lanterna Verde, mas, sim, no
jeito como esse super-herói consegue obter informações importantes dos
mortos. Segundo o jornalista, os neurocientistas da faculdade de
Medicina Case Western, nos Estados Unidos, conseguiram armazenar
lembranças no hipocampo (responsável pela memória dentro do cérebro) de
um rato morto e depois recuperá-las quando estimularam as sinapses dessa
região cerebral. As informações ficaram no tecido por dez segundos, "o
mesmo tempo que ficam armazenadas, naturalmente, nos mamíferos,
inclusive no ser humano".
Depois de uma viagem desastrosa pelo espaço, quatro amigos voltaram para
a Terra como o bônus de serem um esquadrão de super-heróis. Namorada do
líder do grupo, a loirinha Sue Storm tornou-se a Mulher Invisível do
Quarteto Fantástico. Para transportarmos esse poder para a vida real, a
ciência precisou fazer alguns truques. É que as pessoas conseguem ver as
coisas ao seu redor por conta da luz que reflete neles, isto é, se um
material tiver uma baixa refração, vai ficar mais difícil enxergá-lo.
Para ficarmos invisíveis, portanto, os materiais precisam ter na sua
estrutura componentes com tamanho menor do que 100 nanômetros, para
ocultar as ondas visíveis do espectro eletromagnético, o que faz a luz
contorná-lo, e não refleti-lo.
Os diplomas da Universidade de Harvard e do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) não ajudaram Reed Richards a
prever o desastre que seria atravessar com sua nave espacial o cinturão
de Van Allen. Depois de ser bombardeado pela forte radiação cósmica, o
físico passa a ter melhor flexibilidade do planeta ao moldar seu corpo
em uma substância maleável. O poder de se esticar e se contorcer quase
infinitamente é impossível fora dos quadrinhos do Quarteto Fantástico,
já que o índice de elasticidade do colágeno é insuficiente para dar nova
forma a pele humana. Por ora, os cientistas só conseguiram desvendar
outro feito do Senhor Fantástico, o de criar vida graças à manipulação
genética.
A Mulher-Maravilha não ficou marcada por ser a primeira
protagonista feminina da DC Comics, mas, também, por ser um estandarte
do estudo da psicologia norte-americana na década de 1940. Isso porque
seu criador foi William Martson, doutor na Universidade de Harvard que
era pioneiro no uso do polígrafo. O que o psicólogo fez foi dar uma nova
(e mística) roupagem ao detector de mentiras ao transformá-lo no
poderoso laço da verdade.
É a diferença entre a gravidade do planeta Krypton e a da Terra que dá a
fama de "pássaro" ao super-herói mais famoso da editora DC. Nas
primeiras histórias de 1938, o Super-Homem não voava sobre Metrópolis,
mas saltava seus grandes prédios com um impulso apenas, lembra Juan
Scalliter no livro "A Ciência dos Superpoderes". Quanto maior a massa de
um corpo, maior será a força da atração que ele vai exercer ao seu
redor, ou seja, se o planeta do Super-Homem for muito mais pesado que o
nosso, ele conseguirá levantar carros com um dedo e saltar com
facilidade.
Norrin Radd deixa o planeta Zenn-La, a 1425 anos-luz de distância, com
tudo para ser um ótimo vilão, mas quando cruza a atmosfera da Terra e
conhece o Quarteto Fantástico, o alienígena torna-se o carismático
Surfista Prateado, que tem o poder de vagar pelo Universo e manipular as
energias cósmicas. Pois o jeito mais fácil de surfar entre uma galáxia e
outra é pegar uma carona com o vento solar. Em maio de 2010, a Agência
Espacial Japonesa (Jaxa) conseguiu usar as as partículas irradiadas pela
nossa estrela como propulsor da nave Ikaros.
Thor pode ter a a força dos deuses, mas é o martelo quem garante a
vitória contra seus inimigos. Quando O filho de Odin gira rapidamente
esse objeto mítico no ar, causa uma diferença na pressão que faz o
personagem ser empurrado para cima. Mas caso você não consiga alcançar
200 rotações por segundo, é melhor trocar o sonho do martelo mágico por
um passeio de helicóptero.
Uma cara de mal e seis garras mais fortes que diamante só
existem para um mutante das histórias em quadrinhos. A ciência lamenta
por não ter desenvolvido um material tão resistente quanto o adamantium,
substância que reveste o esqueleto de Wolverine, mas Juan Scalliter,
autor do livro "A Ciência dos Superpoderes", afirma que alguns
pesquisadores estão se esforçando para desvendar os segredos dessa arma
indestrutível. Químicos da Universidade da California, em Los Angeles,
estão tentando ligações covalentes (quando um átomo compartilha dois ou
mais elétrons com outros) ao introduzir átomos de uma substância nos de
outra, mas os testes com o diboreto de rênio (boro com rênio) precisam
de mais tempo para atingirem a firmeza desejada pelos fãs dos X-Men.