Cientistas concluem que hidrologia da Terra é dirigida pela vida vegetal
Por Caleb A. Scharf
Um novo estudo estima que entre 80 e 90% do vapor d’água atmosférico proveniente dos continentes da Terra deriva da transpiração de plantas, e não de simples evaporação física.
Esse
processo usa quase metade da energia solar absorvida pelas massas de
terra do planeta e representa um importante componente do sistema
climático terrestre. A descoberta pode ter implicações para
investigações de outros mundos.
A
recente descoberta de dois planetas potencialmente ‘habitáveis’, quase
do tamanho da Terra, em um sistema de cinco planetas ao redor da
distante estrela Kepler-62, reforça o fato de astrônomos estarem se
aproximando cada vez mais de encontrar mundos que têm uma chance de se
parecerem um pouco com o nosso.
Mas
há tantas incertezas que é tremendamente difícil afirmar com qualquer
grau de confiança como pode ser a superfície desses planetas, e menos
ainda quais são as chances de existir vida e uma biosfera funcional por
lá. Mesmo assim, o que essas descobertas de fato nos dão é um conjunto
de novas perguntas.
Se
conseguirmos estudar um planeta potencialmente equivalente à Terra com
fidelidade suficiente para medir suas propriedades atmosféricas (e
existem boas razões para acreditar que faremos isso na próxima década),
por exemplo, precisamos saber o que procurar.
O
desequilíbrio químico é uma impressão digital da vida em um planeta,
mas a maneira com que o planeta reage às chamadas ‘forças externas’
também é. Se o planeta responde a estações, por exemplo, – a entrada
energética conforme o planeta orbita sua estrela, e conforme gira em seu
eixo – lenta ou rapidamente.
E essa é uma das razões de um resultado recém-publicado por Jasechko et al. na Nature
ser particularmente fascinante para astrobiólogos. O estudo
‘Terrestrial water fluxes dominated by transpiration’ [NT: Fluxos de
água terrestres dominados por transpiração, literalmente] usa vários
dados sobre o fracionamento isotópico de oxigênio e hidrogênio na água
das massas continentais da Terra, além de cuidadosos modelos
matemáticos, para aprender sobre os processos através dos quais a água
vai de líquido a vapor em nossa atmosfera.
Em
poucas palavras, quando a água evapora fisicamente – como em uma poça
que seca – as moléculas que se transformam em vapor consistem
preferencialmente de isótopos mais leves (núcleos atômicos com menos
nêutrons), deixando para trás os mais pesados por algum tempo.
Quando
uma planta absorve água, a distribui por suas estruturas, e a expira
como vapor através de seus estômatos [NT: stomata] – em outras palavras,
quando transpira água – não faz distinção entre isótopos leves ou
pesados, o que faz com que a composição do vapor que chega até a
atmosfera seja igual à da forma líquida que se condensa sobre as
plantas.
Em princípio, esses
fatos permitem monitorar a quantidade de água que chega à atmosfera em
decorrência da transpiração de plantas, ao contrário de simples
evaporação.
Mas isso está
longe de ser simples, porque a água volta para a superfície como chuva.
Lagos cercados por terra. porém, podem oferecer amostras de misturas de
isótopos – porque temos alguma esperança de criar modelos para descrever
seu abastecimento e o destino posterior da água.
No
fim das contas, é provável que 80 a 90% da água que sofre
‘evapotranspiração’ (a combinação de simples evaporação e transpiração
de plantas) provem apenas da transpiração. A quantidade de água
proveniente da transpiração equivale, assim, cinco a 10 vezes mais que
através da evaporação direta, e até quatro vezes mais do que se pensava
anteriormente.
Isso significa
que, a cada ano, a vida vegetal transfere 62 mil quilômetros cúbicos de
água das superfícies continentais do planeta para a atmosfera. Isso é
muita água, o equivalente a uma gota gigante com 50 quilômetros de
diâmetro.
Mas a coisa mais
interessante do ponto de vista de observar o funcionamento de um planeta
é a energia envolvida. Esse estudo estima que aproximadamente metade da
energia solar absorvida pela superfície continental da Terra sirva para
induzir a transpiração vegetal. Isso é metade dos 70 watts por metro
quadrado das massas de terra do planeta, o que se soma a aproximadamente
cinco mil Terawatts de energia (5x1015 Watts, em média anual).
Uma enorme parte da maquinaria hidrológica da Terra é dirigida pela vida, vida que também é uma enorme devoradora de energia.
Nós
humanos usamos energia a uma taxa de 15 Terawatts, o que mal chega a
0,016% dos 89 Petawatts médios de energia solar absorvidos por todos os
continentes e oceanos. A transpiração poderia ser responsável por 5,6%,
uma quantidade muito mais substancial.
As
conclusões do estudo tem algumas implicações profundas para a maneira
com que modelos climáticos lidam com o transporte de água impulsionado
biologicamente.
Também pode
ter algo a nos dizer sobre como um mundo rico em vida responde a vários
inputs estelares, e o que podemos esperar detectar em sua atmosfera.
Como a transpiração é afetada por um conjunto de características
físicas, tanto de plantas como do ambiente – do número de folhas a
temperaturas locais e condições de vento –, é tentador imaginar que um
dia poderemos ser capazes de deduzir alguns desses detalhes em um
exoplaneta simplesmente monitorando o vapor d’água em sua atmosfera.
É
claro que isso supõe muitas coisas sobre a semelhança da vida vegetal
vascularizada por todo o cosmos, o que é um pouco de exagero já que
essas formas só surgiram na Terra há cerca de 400 milhões de anos, mas
ainda podemos especular que mecanismos como a transpiração poderiam
evoluir em outros lugares.
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