A MENTE QUE SE ABRE A UMA NOVA IDEIA JAMAIS VOLTARÁ AO SEU TAMANHO ORIGINAL.
Albert Einstein

quinta-feira, 14 de junho de 2012

::: CIÊNCIA OU COISA DO DEMÔNIO ? :::





Um experimento mental clássico na Física consiste em separar um gás em dois recipientes A e B ligados por uma pequena porta por onde só possa passar uma molécula de cada vez. No compartimento A temos gás mais quente e no compartimento B gás mais frio, como se pode ver na figura abaixo.




Num gás, as diferentes moléculas movem-se com diferentes velocidades. Logo, as moléculas têm energias cinéticas diferentes. Para facilitar o raciocínio, vamos considerar apenas duas possibilidades: 1) moléculas mais velozes (ou mais energéticas) representadas em vermelho e 2) moléculas menos velozes (ou menos energéticas) representadas em azul.
No recipiente A temos uma maior quantidade de moléculas mais velozes do que moléculas menos velozes. Na média, as moléculas no recipiente A movem-se com maior velocidade, são mais agitadas, o que significa que o gás em A têm uma temperatura mais alta. Ao contrário, no recipiente B, as moléculas mais lentas superam as mais velozes e, portanto, o gás tem temperatura mais baixa.


Se deixarmos a pequena porta que liga os compartimentos aberta, a tendência é que passem moléculas de A para B e também de B para A. Isso é natural, é espontâneo. Depois de certo tempo vamos verificar que o sistema fica mais "bagunçado" pois em ambos os recipientes teremos misturas de moléculas mais e menos velozes, como mostrado a seguir.




O gás A agora tem menos moléculas velozes e, portanto, está menos agitado. Em outras palavras, esfriou. Já o gás B, ao contrário, estará mais quente, pois têm (em média) mais moléculas mais velozes do que no início.


Repare bem que o grau de desordem aumentou uma vez que, misturando as moléculas, o sistema ficou mais "bagunçado". Tecnicamente dizemos que a entropia (grau de desordem do sistema) aumentou.  Note ainda que a região mais quente cedeu espontaneamente energia térmica para a região mais fria. Concluímos que espontaneamente o sistema evolui  para uma nova situação em que o grau de desordem cresce na medida em que a região mais quente cede calor para mais fria, ambas tendendo ao equilíbrio térmico. Logo, o sistema não consegue se reorganizar sozinho, sem uma ação externa. Em outras palavras, não tem como a região mais fria ceder calor para a mais quente já que, para isso ocorrer, o grau de ordem teria que aumentar, ou seja, a entropia deveria diminuir.


Atrelado a este experimento mental surgiu a Segunda Lei da Termodinâmicaque tem vários enunciados conhecidos e equivalentes entre si. Dentre eles, citamos dois: 


"A entropia de um sistema isolado sempre aumenta, nunca decresce"


ou

"O calor não passa espontaneamente de um corpo de menor temperatura (mais frio)
para um corpo de maior temperatura (mais quente)"

Note que a Segunda Lei da Termodinâmica estabelece uma idéia de irreversibilidade dos sistemas que, naturalmente, tendem à desordem, a menos que se gaste energia para reorganizar as coisas.



Em 1867, o físico escocês James Clerk Maxwell (1831-1879) colocou uma "pimentinha", ou melhor, um "diabinho" nessa história. Ele imaginou um ser microscópico, da ordem de grandeza das moléculas, com inteligência e habilidade tal que pudesse tomar conta da portinha (agora sem massa) que liga os compartimentos A e B acima citados e manipular o comportamento natural do sistema, decidindo quem pode passar de um lado para o outro. Esse "porteiro" ficou conhecido na história da Física como o demônio de Maxwell e tinha, segundo o seu idealizador, a tarefa de, sem gastar energia, abrir e fechar a porta tal que não deixasse as moléculas mais energéticas de A passarem para B ou as menos energéticas de B passarem para A. Trocando em miúdos, o diabinho iria aos poucos organizando o sistema que no final deveria apresentar moléculas mais energéticas (vermelhas) somente no compartimento A e as menos energéticas (azuis) somente no compartimento B. Veja na figura abaixo o resultado final da ação do diabinho: um sistema organizado, com entropia menor.




Como efeito prático da ação do capetinha, o gás A, que já era quente, estaria ainda mais quente no final, contendo as moléculas mais energéticas de todo o sistema. No compartimento B, ao contrário, o gás estaria mais frio do que no começo pois teria no seu interior as moléculas mais lentas, ou seja, menos energéticas. O demônio de Maxwell, ao inverter a tendência natural do sistema, conferia reversibilidade ao sistema a ponto do calor poder passar da região mais fria para a região mais quente, o que colocava em perigo a Segunda Lei da Termodinâmica.


Mas quem seria o tal diabinho? Na época de Maxwell não havia a menor possibilidade tecnologica deste experimento ser realizado tanto que Maxwell criou um ser fictício, um demôninho, para realizar a tarefa. Na semana passada, uma matéria publicada na Revista Nature descreve a construção de uma nanomáquina que nasceu com forte potencial para ser na prática o demônio de Maxwell. Pesquisadores da Universidade de Edinburgo, Escócia, conseguiram construir um nanorobô capaz de aprisionar moléculas na medida em que caminha numa certa direção. Segundo o pesquisador David Leigh "... a máquina precisa de energia e em nosso experimento ela foi alimentada por luz. Embora a luz já tenha sido usada para energizar partículas minúsculas diretamente, esta é a primeira vez que um sistema foi desenvolvido para aprisionar moléculas à medida em que ele se move numa certa direção seguindo seu movimento natural. Uma vez aprisionadas, as moléculas não conseguem escapar."


O demônio de Maxwell está prestes a se tornar realidade! E não há nada de demoníaco(*), de fato. Sobra ciência, nanotecnologia, e idéias que vão revolucionar a nossa relação com o mundo. Pode apostar.



(*) O termo " demon" usado por Maxwell difere do termo "daemon" que é a palavra certa para demônio em inglês. "Demon" está mais para "travesso" do que demoníaco propriamente dito. Mas na literatura específica de Termodinâmica é comum encontrarmos citações ao demônio de Maxwell com o sentido de diabólico mesmo.

Para brincar e aprender
  • Demônio de Maxwell (variação do experimento original) - Clique e jogue. Você faz o papel de demônio e manipula os compartimentos tentando reorganizar as partículas. No final, um "entropímetro", dispositivo fictício que supostamente mede a entropia, acusa se você conseguiu aumentar a entropia ou não.



Fonte : prof. Dulcidio Braz Júnior (@Dulcidio)


Nenhum comentário:

Postar um comentário