ARTIGO /
Mario Novello* //
Diferentemente de Pinóquio, que via seu nariz crescer a cada mentira que contava, o Barão de Munchausen tornou-se universalmente conhecido graças não às mentiras que contava, mas, sim, devido às suas extravagâncias. As histórias que Munchausen queria fazer passar como verdadeiras – com uma aparência fantástica – tinham sempre um fundo de razoabilidade. No entanto, uma reflexão ulterior sobre sua descrição de acontecimentos extraordinários, logo nos levava a ponderar sobre a impossibilidade de tais fatos serem reais.
Ao refletirmos sobre algumas informações que relatam a atividade cientifica de hoje, é quase impossível de resistir à ideia de que estamos vivendo em uma era na qual o Barão se sentiria extremamente confortável e, possivelmente, seria até mesmo reconhecido como possuidor de qualidades notáveis de percepção e intuição. Dentre essas, a mais exuberante seria sua descrição daquilo que alguns cientistas, usando diversos meios de comunicação, estão alardeando como descobertas notáveis.
Parece que a imprensa mundial e uma larga faixa daquilo que se costuma chamar o establishment cientifico (isto é, os meios de contato entre os cientistas e a sociedade) estão fazendo o Barão se sentir totalmente à vontade. Nesse comentário, irei simplesmente apontar algumas dessas questões e deixar o leitor tirar suas conclusões sobre se esse meu argumento é possível de ser sustentado ou se eu também estaria seguindo os passos do Barão e exagerando em minha interpretação.
Irei comentar somente três exemplos recentes, a saber, o Bóson de Higgs, a aceleração do Universo e a velocidade do neutrino. O que esses três processos poderiam ter em comum? Iremos ver que o que os une é o exagero açodado das conclusões sobre sua posição no conhecimento científico e a precipitação sensacionalista que os levou a ser noticia nos principais cotidianos nacionais e internacionais produzindo, cada um deles, uma “revolução na ciência”. Aqui, iremos nos limitar a apontar algumas questões que sustentam essa interpretação de açodamento. Uma análise mais especifica e mais detalhada de cada um desses exemplos serão matéria de números subsequentes de Cosmos e Contexto.
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- A aceleração do Universo
O prêmio Nobel de física de 2011 foi dividido, metade dado a Saul Perlmutter, a outra metade dada conjuntamente a Brian P. Schmidt e Adam G. Riess “pelo descobrimento da expansão acelerada do Universo através da observação de supernovas distantes”.
[Citado da página do prêmio Nobel]
A observação sobre propriedades peculiares de estrelas Supernovas certamente produziu uma série de questões excitantes para a Astrofísica e a Cosmologia. No entanto, essas observações não são suficientes para a demonstração de que o Universo está sofrendo uma expansão acelerada. Com efeito, há várias questões que precisam ser esclarecidas antes de aceitarmos como verdadeira essa possibilidade.
Somente para dar um exemplo, podemos considerar a proposta, bastante viável, de David Wiltshire (que desenvolverá essa argumentação em um artigo na edição de fevereiro de 2012 de Cosmos e Contexto), que consiste em considerar a inclusão de uma energia escura, caso exista, argumentando que ela nada mais seria do que um efeito aparente que decorre da calibração de certos parâmetros cosmológicos na obtenção de médias quando em presença de curvatura espacial e de gradientes de energia gravitacional que aumentam muito com o crescimento de inomogeneidades em épocas recentes. Durante o último Marcel Grossmann Meeting, realizado em 2009, em Paris, Wiltshire apresentou essa argumentação para a comunidade de astrofísicos. Estavam presentes aproximadamente 500 cientistas. Houve críticas e discussões como em toda palestra, mas ninguém argumentou da impossibilidade desse cenário.
O simples fato de que existe em discussão uma proposta que tem embasamento credível é suficiente para que não consideremos a aceleração do universo como um fato científico, mas somente como uma possibilidade dentro de um cenário teórico coerente. Ainda é pouco para garantir seu status como “verdadeiro”. Muito menos para que conquiste um status tão grande que um prêmio de caráter internacional lhe seja atribuído.