Mario Novello* //
Diferentemente de Pinóquio, que via seu nariz crescer a cada mentira que contava, o Barão de Munchausen tornou-se universalmente conhecido graças não às mentiras que contava, mas, sim, devido às suas extravagâncias. As histórias que Munchausen queria fazer passar como verdadeiras – com uma aparência fantástica – tinham sempre um fundo de razoabilidade. No entanto, uma reflexão ulterior sobre sua descrição de acontecimentos extraordinários, logo nos levava a ponderar sobre a impossibilidade de tais fatos serem reais.
Ao refletirmos sobre algumas informações que relatam a atividade cientifica de hoje, é quase impossível de resistir à ideia de que estamos vivendo em uma era na qual o Barão se sentiria extremamente confortável e, possivelmente, seria até mesmo reconhecido como possuidor de qualidades notáveis de percepção e intuição. Dentre essas, a mais exuberante seria sua descrição daquilo que alguns cientistas, usando diversos meios de comunicação, estão alardeando como descobertas notáveis.
Parece que a imprensa mundial e uma larga faixa daquilo que se costuma chamar o establishment cientifico (isto é, os meios de contato entre os cientistas e a sociedade) estão fazendo o Barão se sentir totalmente à vontade. Nesse comentário, irei simplesmente apontar algumas dessas questões e deixar o leitor tirar suas conclusões sobre se esse meu argumento é possível de ser sustentado ou se eu também estaria seguindo os passos do Barão e exagerando em minha interpretação.
Irei comentar somente três exemplos recentes, a saber, o Bóson de Higgs, a aceleração do Universo e a velocidade do neutrino. O que esses três processos poderiam ter em comum? Iremos ver que o que os une é o exagero açodado das conclusões sobre sua posição no conhecimento científico e a precipitação sensacionalista que os levou a ser noticia nos principais cotidianos nacionais e internacionais produzindo, cada um deles, uma “revolução na ciência”. Aqui, iremos nos limitar a apontar algumas questões que sustentam essa interpretação de açodamento. Uma análise mais especifica e mais detalhada de cada um desses exemplos serão matéria de números subsequentes de Cosmos e Contexto.
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1 – O Bóson de Higgs
Até meados da década de 1960, os cientistas acreditavam que a massa dos corpos era uma propriedade natural, e que, consequentemente, não requeria uma explicação ulterior. Ou, dito de outro modo, epistemológico, não haviam mecanismos, nem embasamento formal capazes de produzir uma explicação coerente e aceitável sobre a redução do conceito de massa (de todos os corpos existentes) a estruturas formais mais elementares. Por várias razões que comentarei em outro artigo de Cosmos e Contexto, ao longo dos anos 1960, a análise da ontologia da massa apareceu. Ou seja, os cientistas se depararam com a questão: qual é a origem da massa de todas as partículas existentes no universo e por que só o fóton não tem massa? Para respondê-la, os físicos criaram um procedimento formal que recebeu o nome de mecanismo de Higgs. Na base desta proposta encontra-se a hipótese de que exista uma nova interação da física e postulado imediatamente que seu agente principal seria uma partícula que ficou conhecida como Bóson de Higgs. A ela está associado um campo que se estende no espaço-tempo, o campo de Higgs, que serviria precisamente para conceder massa a todas as partículas que existem (deixando, no entanto, o fóton como a única partícula sem massa), exceto a si mesma, criando assim o problema de auto-consistência: quem dá massa àquele que dá massa?
Independentemente dessa resposta, a comunidade internacional passou a considerar o Bóson de Higgs como a verdadeira explicação para a origem da massa. Essa função foi considerada tão fundamental que um cientista, prêmio Nobel de física, achou conveniente chamá-la, de modo infeliz e arrogante, de “partícula divina”. Assim, quando recentemente, os resultados experimentais parecem anunciar que ou essa partícula não existe ou, se existir, deverá ter uma massa muito maior daquela necessária para compatibilizar com as propostas originais de sua função, um jornal diário estampou o cabeçalho “Deus em dificuldades”, querendo se referir às dificuldades que a ideia envolvendo a “partícula divina” teriam aparecido graças às observações efetivamente realizadas.
Talvez não devêssemos culpar o jornalista por esse delírio tropical, pois parece-me claro que o circo que foi montado em torno do Large Hadron Collider (LHC) – essa máquina de dez bilhões de dólares que o CERN construiu para poder detectar, caso exista, o Bóson de Higgs – é de completa e inteira responsabilidade dos cientistas envolvidos em uma possível descrição do mundo da microfísica, ainda por ser comprovada.
Com o propósito de fazer as coisas voltarem ao seu normal, em uma recente publicação associada à informação e difusão das atividades realizadas no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), são comentadas novas teorias que substituiriam a hipótese do Bóson de Higgs, caso ele não seja encontrado ou se não exibir a capacidade universal de conceder massa a todos os corpos que lhe foi atribuída.

Decálogo da divulgação científica

Devemos ter cuidados especiais com a difusão do conhecimento científico para que não se propaguem informações que não sejam precisas.
A atividade de divulgação científica, em seus diferentes modos de apresentação, deve considerar com cuidado os seguintes itens:
1 – Escolha do tema;
2 – Não transformar o paradigma atual em dogma;
3 – Usar, sempre que possível, cientistas que estejam diretamente envolvidos nas questões em exame;
4 – Não repassar ideologias;
5 – Em matérias conflitantes, convidar cientistas defensores de diferentes visões para discorrer sobre o tema;
6 – Executar um rodízio das questões que são exibidas como de alta relevância;
7 – Relacionar, sempre, a atividade científica com o ambiente social onde ela se desenvolve;
8 – Examinar a cada década ou em período menor, as certezas que se veiculou no passado e contrastar com as afirmações atuais dos cientistas;
9 – Não perder de vista o significado global do conhecimento científico e de que a função do cientista é compreender como se estrutura o universo em seus detalhes específicos mais íntimos, assim como na sua totalidade e processos globais;
10 – Exibir as dificuldades a que conduz a extrema especialização técnica – malgrado sua eficácia – e procurar mostrar que afinal de contas, a ciência não pode se identificar com a técnica.