ARTIGO /
Mario Novello* //
Diferentemente de Pinóquio, que via seu nariz crescer a cada mentira que contava, o Barão de Munchausen tornou-se universalmente conhecido graças não às mentiras que contava, mas, sim, devido às suas extravagâncias. As histórias que Munchausen queria fazer passar como verdadeiras – com uma aparência fantástica – tinham sempre um fundo de razoabilidade. No entanto, uma reflexão ulterior sobre sua descrição de acontecimentos extraordinários, logo nos levava a ponderar sobre a impossibilidade de tais fatos serem reais.
Ao refletirmos sobre algumas informações que relatam a atividade cientifica de hoje, é quase impossível de resistir à ideia de que estamos vivendo em uma era na qual o Barão se sentiria extremamente confortável e, possivelmente, seria até mesmo reconhecido como possuidor de qualidades notáveis de percepção e intuição. Dentre essas, a mais exuberante seria sua descrição daquilo que alguns cientistas, usando diversos meios de comunicação, estão alardeando como descobertas notáveis.
Parece que a imprensa mundial e uma larga faixa daquilo que se costuma chamar o establishment cientifico (isto é, os meios de contato entre os cientistas e a sociedade) estão fazendo o Barão se sentir totalmente à vontade. Nesse comentário, irei simplesmente apontar algumas dessas questões e deixar o leitor tirar suas conclusões sobre se esse meu argumento é possível de ser sustentado ou se eu também estaria seguindo os passos do Barão e exagerando em minha interpretação.
Irei comentar somente três exemplos recentes, a saber, o Bóson de Higgs, a aceleração do Universo e a velocidade do neutrino. O que esses três processos poderiam ter em comum? Iremos ver que o que os une é o exagero açodado das conclusões sobre sua posição no conhecimento científico e a precipitação sensacionalista que os levou a ser noticia nos principais cotidianos nacionais e internacionais produzindo, cada um deles, uma “revolução na ciência”. Aqui, iremos nos limitar a apontar algumas questões que sustentam essa interpretação de açodamento. Uma análise mais especifica e mais detalhada de cada um desses exemplos serão matéria de números subsequentes de Cosmos e Contexto.
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3 – A velocidade do neutrino
OS NEUTRINOS DO MÚON SÃO PARTÍCULAS MAIS RÁPIDAS QUE A LUZ?
E. GIANNETTO, G.D. MACCARRONE, R. MIGNANI and E. RECAMI
Abstract: Recentemente alguns trabalhos apareceram e são notáveis pois chamam a atenção para resultados experimentais interessantes relacionados à velha questão se os neutrinos são superluminais (ou não). Estes resultados são complementados então, do ponto de vista teórico, e algumas predições experimentais são adicionadas de modo que possam ser testadas, especialmente com oscilações de neutrinos.
Em 1986, em um artigo que ficou esquecido pela comunidade científica, Enrico Giannetto e colaboradores argumentaram que o neutrino – uma partícula elementar com propriedades muito especiais – poderia ser identificado como um tachyon, isto é, uma partícula que viaja com velocidade superior a da luz. Naquele artigo (cujo titulo é Are muon neutrinos faster-than-light particles?) e em subsequentes, Recami mostrou como essa característica do neutrino, se verdadeira, não invalidaria a teoria da relatividade especial. Ela seria nada mais do que uma consequência natural dentro dessa teoria.
No dia 23 de setembro de 2011, o jornal do CERN anunciou um resultado notável e alertou os jornalistas para a sua importância. Leia o que ali se escreveu:
Experimento OPERA relata anomalia no tempo de voo de neutrinos do CERN até Gran Sasso
Genebra, 23 de setembro de 2011. O experimento OPERA, que observa um feixe de neutrinos emitido do CERN, localizado a 730 Km de distância no Laboratório INFN Gran Sasso, na Itália, apresentará novos resultados em um seminário no CERN nesta tarde, às 16h (Horário de Verão da Europa Central). Este seminário será transmitido em http://webcast.cern.ch. Jornalistas que queiram fazer perguntas deverão fazê-las via Twitter, usando a hash tag #nuquestions, ou via os canais de imprensa usuais do CERN.
No dia 25 de outubro de 2011, Hervé Bergeron, físico da Universidade de Paris, apresenta uma crítica ao modo de interpretação dos dados observacionais. Segundo ele, uma análise desses dados parece apontar que o resultado apresentado não implicaria necessariamente que teria sido detectado que a velocidade do neutrino tivesse superado a do fóton. Segue abaixo o titulo desse artigo e seu resumo.
SOBRE AS QUESTÕES AS ENVOLVIDAS NA ANÁLISE DE DADOS DO EXPERIMENTO OPERA
H. BERGERON
Abstract: Os autores do experimento OPERA [ArXiv: 1109.4897] afirmam que “a medida indica um tempo de chegada antecipado dos neutrinos do múon do projeto CNGS (CERN neutrinos to Gran Sasso) com relação ao calculado assumindo a velocidade da luz no vácuo”. Nesta nota analisamos os aspectos estatísticos dos resultados experimentais apresentados em [ArXiv: 1109.4897], assumindo que erros sistemáticos escondidos não existem. Devido a vínculos estatísticos, mostramos (através de dois métodos diferentes) que os dados experimentais apresentados em [ArXiv: 1109.4897] não permitem concluir sem ambiguidade a existência do comportamento superluminal dos neutrinos. O problema está essencialmente na interpretação dos fatos e não na veracidade deles.
Ainda nesse mesmo meio de comunicação entre cientistas encontramos o artigo de Wolfgang Kundt:
VELOCIDADE DOS NEUTRINOS DO CERN PUBLICADO EM 22/o9/2011. SERIA O EFEITO SUPERLUMINAR RELATADO DEVIDO AO NEGLIGENCIAMENTO DA RELATIVIDADE GERAL?
W. KUNDT
Abstract: Durante os anos de 2009 a 2011, feixes de neutrinos foram enviados repetidamente do CERN em direção a um detector no túnel de Gran Sasso, na Itália, a uns 4 graus ao sul e 7 graus a leste do CERN, a uma distância de 730.5 km, no formato de pequenos conjuntos de partículas. O tempo de voo deles (2.5 mseg) foi medido com uma acurácia alta (nseg) com relógios de césio [3]. Notavelmente, a equipe do CNGS encontrou um déficit de 61 nseg comparado com a propagação à velocidade da luz, e concluíram que estavam à velocidades superluminais da ordem de 10-4.6. Nesta comunicação, argumentarei que este é o primeiro experimento para testar a teoria de Einstein no campo gravitacional (fraco) da Terra, com o resultado de que os neutrinos propagaram-se com velocidade (exatamente) luminal.
O que podemos concluir dessas argumentações?
1. Que a interpretação dos dados observacionais, posta em cheque, merece uma crítica e resposta imediata;
2. Se a interpretação dos responsáveis pela experimentação OPERA estiver correta, a análise das suas consequências deve ser efetivada à luz de interpretações como aquela de Recami e/ou outras semelhantes.
Talvez, o mais importante seja aceitar que a experiência em questão ainda está por ser completamente entendida e, portanto, deve se manter nas discussões de laboratório. Ou, se a imprensa convencional – isto é, não científica – pretender tornar público esse resultado, que o faça. Mas acrescente as dúvidas e contradições típicas da atividade científica.
Dessa brevíssima análise, creio que segue uma questão. A atividade científica merece publicidade. Mais do que isso, a sociedade exige que se noticie o que ocorre nos laboratórios por ela financiados. No entanto, exagero e açodamentos devem ser evitados, sob pena de que, assim como os políticos já o conseguiram, os cientistas também comecem a perder a credibilidade.
P.S.: Os artigos referentes ao Bóson de Higgs (M. Novello), a aceleração do universo (D. Wiltshire) e a velocidade do neutrino (entrevista com E. Recami et al), aparecerão em números subsequentes de Cosmos e Contexto.