A MENTE QUE SE ABRE A UMA NOVA IDEIA JAMAIS VOLTARÁ AO SEU TAMANHO ORIGINAL.
Albert Einstein

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

:: O VOO PARABÓLICO DO SAPATO :::


Folha/UOL



José Serra, quando era candidato à presidência da república em outubro de 2010, protagonizou um episódio que clamava por uma análise física.

Ontem, agora como candidato à prefeito de São Paulo, Serra foi novamente centro das atenções de um novo "experimento" que envolve Física. Ao cobrar uma falta, num campinho de futebol de terra na Zona Leste, periferia de São Paulo, seu sapato foi lançado obliquamente e parece ter entrado bem no ângulo, indo parar na rede, enquanto a bola, lenta e rasteira, foi defendida pelo goleiro (veja o vídeo logo acima). O candidato a prefeito ficou por algum tempo só de meia, pisando no barro, até que alguém resgatou o seu sapato.

Mas vamos ao que interessa, ou seja, à Física:


1. Movimento de alavanca


Em primeiro lugar, para chutar a bola, a perna de comprimento L faz um movimento de alavanca que gira com velocidade angular ω. O pé, na ponta desta alavanca, terá máxima velocidade escalar (ou tangencial) V0 pois V0 = ωr. Como o pé está na extremidade da perna, o raio da trajetória semi-circular é máximo e vale r = L. Assim, o pé tem velocidade V0 = ωL quando toca a bola.


2. Pequeno atrito
Como era um sapato social, calçado com meias sociais que são mais finas e lisas, o coeficiente de atrito estático μe entre a parte interna do sapato e o tecido da meia não é grande. O atrito estático máximo, neste caso, é dado Ae = μe.N onde N são as forças normais (de compressão) trocadas entre a parte interna do sapato e a meia. Numa caminhada normal, o pé atinge velocidade baixa e, portanto, não acelera/desacelera a ponto de soltar-se do pé. Mas num chute de futebol, bem mais violento, o pé atingiu velocidade grande o suficiente para que o sapato, com a mesma rapidez de movimento, não pudesse ser brecado. Faltou Ae porque o valor de μe é bem baixo. O pé parou. Mas o sapato, por inércia, seguiu o seu movimento, na direção tangente à trajetória semicircular do pé, como previsto pelas Leis de Newton.


3. Lançamento Oblíquo

Neste caso, quando o sapato soltou-se do pé, a perna de comprimento L fazia um certo ângulo com a vertical e, portanto, o vetor velocidade V0 = ωL do pé (e também do sapato) formava um ângulo θ com a horizontal. Desta forma, o sapato foi lançado, como uma bala (ou projétil) de canhão. Este ângulo θ é conhecido na balística, parte da Física que estuda os movimentos dos projéteis, como ângulo de lançamento.


:: Modelagem Matemática

A figura acima nos mostra a decomposição do vetor velocidade inciail do sapato Vo em eixos ortogonais (x e y).
Do triângulo (verde) que é retângulo podemos escrever as seguintes relações:



O sapato vai descrever um movimento num plano vertical. Desprezando o atrito com o ar, a única força que atua sobre o sapato (já em voo) é o peso. Logo, a única aceleração do sapado depois de lançado é a própria aceleração da gravidade (g = 9,8 m/s²) que é vertical e para baixo. Este movimento bidimensional pode ser decomposto num movimento retilíneo uniforme na direção horizontal (eixo x) e outro movimento retilíneo uniformemente variado na direção vertical (eixo y). As equações de movimento serão:

Na direção horizontal (eixo x):


Na direção vertical (eixo y):


Se isolarmos o "t" na expressão de x acima e substituirmos na expressão de y teremos:


Note que a expressão acima (em vermelho) corresponde a uma parábola. O sinal negativo do termo Ax² ratifica ser uma parábola "côncava para baixo". Está demonstrado: o sapato (ou qualquer outro corpo) lançado obliquamente e que se mova ao sabor da gravidade terá trajetória parabólica num plano vertical!
Das equações acima podemos ainda deduzir alguns parâmetros relevantes.
  • Alcance do chute
    Distância máxima horizontal percorrida pelo sapato:

  • Tempo total de voo
    Tempo que o sapato demora para percorrer a parábola completa:

  • Máxima altura atingida
    Altura do sapato em relação ao chão no ponto mais alto da trajetória parabólica:
Com as três equações acima podemos estimar a velocidade V0 com que o sapato do Serra deixou o pé. Pelo vídeo, estimamos (sem muito rigor) que o tempo de voo é T = 1,5 s. Pela imagem congelada estimamos que θ = 45o e sabemos que g = 9,8 m/s². Então:



Conclusão: o sapato deixou o pé do candidato José Serra a cerca de 10 m/s (ou 36 km/h)

Podemos também estimar o alcance D do sapato, ou seja, a distância de onde foi lançado até onde cairia de volta no chão se não tivesse tocado na rede antes:



Conclusão: o sapato cairia a 10 m do candidato Serra se não tivesse sido colhido pela rede.

Podemos ainda estimar a altura máxima H atingida pelo sapato em voo:



Conclusão: o sapato atingiu altura máxima em torno de 2,5 m.


São apenas estimativas, que podem, com mais cuidado, serem melhoradas. Mas os valores obtidos são compatíveis com a realidade observada, não são? Viu só como usando a boa Física conseguimos modelar o comportamento do Universo?
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Mas a pergunta mais importante ainda não foi feita e nem é de Física: qual a relevância política desta cena?

Pergunto porque um candidato a prefeito não deveria ocupar tempo na mídia expondo as suas ideias e projetos? De quem é a culpa desta distorção? Dos jornalistas que cobriam o dia do candidato e deram valor exagerado a esta bizarrice? Ou foi tudo armado para vivar assunto do dia, especialmente nas mídias sociais? Não estou acusando ninguém. Mas: 1) Por um lado, o candidato deixa claro, antes de chutar, "meu sapato tá ruim, esse sapato sai do pé, ele vai sair... "; e 2) A cena foi filmada e fotografada de vários ângulos. Não parece um cenário armado com resultado já previsto? Estranho...

Antes que alguém me acuse ou me condene por esta ou aquela tendência política, deixo claro que não voto na capital. Nem tenho nada contra nem a favor do cadidato José Serra que pela segunda vez está sendo inspiração para um post que adorei escrever aqui no Física na Veia! Afinal, aqui no blog tudo é pretexto para ensinar/aprender Física!



prof. Dulcidio Braz Júnior (@Dulcidio)

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