A MENTE QUE SE ABRE A UMA NOVA IDEIA JAMAIS VOLTARÁ AO SEU TAMANHO ORIGINAL.
Albert Einstein

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

::: USANDO A ATMOSFERA COMO 'COLA' :::


Borrachinha branca circular lacrando um furo central na tampa

Certamente você já viu e até já comprou algum produto com um furinho central na tampa e que é lacrado por uma borrachinha circular. Se não está sabendo (ou lembrando) do que estou falando, veja a foto acima, de um pote de patê industrializado. Lembrou? Eu já vi o mesmo sistema de lacre em copos de requeijão.
A borrachinha grudada no furo central é um engenhoso artifício para fixar a tampa que fica bem presa, como se estivesse colada no recipiente. Mas, ao retirarmos o lacre, fazendo uma alavanca com uma faca (veja imagem abaixo), ouvimos um barulhinho "pssssssssss" bem característico de fluxo rápido de ar e a tampa solta-se.


Tiramos a borrachinha do lacre fazendo alavanca com uma faca

A imagem a seguir evidencia o orifício central (1) na tampa e a borrachinha (2) que antes vedava o furinho.


1 - Orifício central na tampa, e 2 - borrachinha que vedada o furinho

Com o recipiente aberto podemos facilmente verificar que:
  • Não existia cola alguma fixando a tampa no recipiente;
  • A tampa também não tem encaixe que possa fixá-la no recipiente. Depois de aberto o lacre, a tampa só para apoiada na borda do pote, mas não tem mais fixação alguma no recipiente.
Você já se perguntou qual é o "truque" usado para "grudar" a tampa no recipiente antes de soltar o lacre (borrachinha)?
Mais uma vez a resposta está na Física! E é relativamente simples. Acompanhe o raciocínio e algumas continhas a seguir.

:: A ideia básica
O ar que envolve a tampa exerce uma pressão p sobre ela. Sabemos que a pressão p é definida fisicamente como uma força F normal (ou perpendicular) a uma área A e distribuída sobre a própria área A, ou seja:
p = F/A
Assim, as partículas (moléculas) do ar, sempre em movimento, colidem com a tampa e exercem nela uma força F que a empurra. Esta força F pode ser isolada na expressão acima e, portanto, calculada por:
F = p.A
Como tem ar dos dois lados da tampa, há também duas forças agindo nela, uma de cada lado, sendo:
  • Uma força externa Fext, atuando na área de fora da tampa, agindo no sentido de fora para dentro, empurrando a tampa contra o recipiente;
  • E outra força interna Fint, atuando na área de dentro da tampa, agindo no sentido de dentro para fora, empurrando a tampa para longe do recipiente.
A ilustração a seguir dá uma ideia destas duas forças opostas (Fext e Fint).

As duas forças opostas sobre a tampa

Podemos calcular a resultante Rpressão (apenas destas duas forças originadas pela pressão) fazendo Rpressão = Fext - Fint, ou seja, podemos estimar o efeito vetorial que resulta da ação simultânea destas duas forças em lados opostos da tampa.

Em termos de p e A a resultante Rpressão será:
Rpressão = Fext - Fint = pext.A - pint.A.
Colocando a área A em evidência nesta expressão temos:

Rpressão = (pext - pint)A

Note que, se as pressões em ambos os lados da tampa forem iguais (pext = pint), a resultante será nula (Rpressão = 0), ou seja, o efeito das duas forças opostas é nulo. Mas é justamente aí que está o segredo! Se de alguma forma diminuirmos a pressão interna pint, diminuímos também a força interna Fint. Neste caso, a força externa Fext não muda de valor e passa a ser maior do que a força interna Fint. Sugirá então uma resultante Rpressão não nula, de fora para dentro, empurrando a tampa contra o recipiente. É o que temos na próxima ilustração.


As forças externa e interna não se anulam. A resultante é Rpressão.

Em outras palavras, a diferença de pressão nos dois lados da tampa ou , se preferir, entre o lado de fora e o de dentro do recipiente, dá origem a uma força de fora para dentro que mantém a tampa bem encostada e, portanto, fixa junto ao recipiente. Em outras palavras, a tampa é "colada" mecanicamente ao pote por esta força Rpressão.


A resultante Rpressão empurra fortemente a tampa contra o recipiente.

Tenho curiosidade de conhecer de perto o processo industrial que lacra a tampa do patê. Mas imagino que, na prática, uma máquina robotizada encosta a tampa no pote e suga (pelo próprio furinho) parte do ar de dentro do recipiente, ar que normalmente fica entre a tampa e o patê. E a mesma máquina, segurando a tampa contra o recipiente, veda o furinho com um lacre, a borrachinha que deve estar aquecida e, portanto, maleável. A borrachinha assun se ajusta ao pequeno orifício e, após ser rapidamente resfriada, gruda ali, impedindo o retorno para dentro do pote do ar sugado. Isso mantém a diferença de pressão entre os lados de dentro e de fora do recipiente, até que o lacre seja aberto. Desta forma, temos o efeito de um empurrão resultante Rpressão, de fora para dentro, como explicado acima.

Conclusão: É a diferença de pressão entre o lado de dentro e o de fora do recipiente quem mantém a tampa "colada". Em outras palavras, a atmosfera é usada como "cola" temporária. Bem interessante, não?

E esta força é suficiente grande para podermos até mesmo segurar o pote suspenso somente pela tampa e ela ainda não se solta!
Veja a seguir estimativas do valor desta força resultante Rpressão sobre a tampa.

:: Estimativas da Força Rpressão Sobre a Tampa

Vamos considerar que a pressão interna, menor que a externa, corresponda a uma fração K < 1 da pressão externa, ou seja: pint = K.pext.
Assim, a força resultante Rpressão sobre a tampa será Rpressão = (pext - pint)A = (pext - K.pext)A = (1 - K)pext.A, ou seja:

Rpressão = (1 - K)Fext

Pela expressão acima, podemos calcular a força externa  Fext = pext.A e multiplicá-la pelo fator (1 - K) para encontrarmos o valor de Rpressão. Conhecendo o valor da constante K que relaciona as pressões interna pint e externa pext isso é relativamente simples.
Medi a a tampa do pote de patê que comprei no supermercado e encontrei o diâmetro D = 7,5 cm.


Medida do diâmetro da tampa

Logo, a tampa tem raio R = D/2 = 7,5 cm /2 = 3,75 cm pois  raio corresponde à metade do diâmetro. Certo?
A área circular da tampa pode ser facilmente calculada por A = π.R2 onde π = 3,14 (valor aproximado do número pi).Assim, a área aproximada da tampa será: A = 3,14.(3,75 cm)2 = 44,2 cm2.
Como queremos estimar a força em N (newton), S.I. (Sistema Internacional de Unidades), precisamos converter este valor de cm2 para m2. Não é difícil. Veja:
Se 1 m = 100 cm, então (1m)2 = (100 cm)2. Logo: 1 m2 = 10000 cm= 1.104 m2 . Fazemos uma "regrinha de três" e teremos:
1 m2 -------------- 1.104 cm2
A ------------------ 44,2 cm2

A = 44,2 / 1.104 = 44,2.10-4 = 4,42.10.10-4 ou seja, A = 4,42.10-3 cm2

A pressão atmosférica, externa ao recipiente, ao nível do mar, é bem conhecida e vale aproximadamente pext = 1,0.105 N/m2.  Este é o valor no S.I. que corresponde a 1 atm (uma atmosfera) ou 760 mm Hg (trezentos e sessenta milímetros de mercúrio), outros valores da pressão atmosférica ao nível do mar em outras unidades bastante usuais.

Conhecendo a pressão externa pext e a área A podemos agora calcular a força externa Fext:
Fext = pext.A = 1,0.105 N/m2.4,42.10-3 m2 =  4,42.102 m2 , ou seja,  Fext = 442 N.

Finalmente, podemos estimar força resultante Rpressão = (1 - K).442 sobre a tampa que vai depender apenas do fator K, valor que desconheço na realidade porque, como já disse acima, nunca vi ao vivo o processo de lacrar a tampa nem sequer conversei com algum engenheiro ou técnico responsável que pudesse me esclarecer detalhes de como tudo é feito. Mas isso não nos impede de fazer estimativas. Basta "chutarmos" alguns valores de K. Veja:
  • Supondo K = 0,1
    A pressão interna vale 0,1 (10%) da pressão externa.
    Logo:
    Rpressão = (1 - K)442 = (1 - 0,1)442 =  (0,9)442
    Rpressão = 398 N (aproximado) 
  • Supondo K = 0,2 A pressão interna vale 0,2 (20%) da pressão externa.
    Neste caso:
    Rpressão = (1 - K)442 = (1 - 0,2)442 =  (0,8)442
    Rpressão = 354 N (aproximado) 
  • Supondo K = 0,5
    A pressão interna vale 0,5 (50%) da pressão externa.
    Agora:
    Rpressão = (1 - K)442 = (1 - 0,5)442 =  (0,5)442
    Rpressão = 221 N (aproximado) 
  • Supondo K = 0,9
    A pressão interna vale 0,9 (90%) da pressão externa. Logo:
    Rpressão = (1 - K)442 = (1 - 0,9)442 =  (0,1)442
    Rpressão = 44 N (aproximado) 
  • E assim por diante... (faça você mesmo outras estimativas!) 

Note, pelos cálculos acima, que com um K = 0, 9 (ou apenas 10% de diferença entre as pressões interna e externa), conseguimos uma força aproximada de 44 N empurrando a tampa contra o recipiente. Considerando a gravidade superficial na Terra como g = 10 m/s², 44 N é a força capaz de equilibrar o peso P de um corpo de massa m dada por m = P/g = 44/10 = 4,4 kg. Por isso mesmo dizemos que esta força vale 44 N ou 4,4 kgf (que se lê quilograma-força). Não é uma força enorme. Mas considerando a tampa metálica bem fina e, portanto, bem leve, com poucos gramas de massa, isso é mais do que suficiente para fixá-la empurrando-a contra as bordas do recipiente. E com esta força já podemos segurar o conjunto tampa + recipiente apenas pela tampa que ela não se solta do recipiente já que o conjunto não passa de 300 g (0,3 kg) de massa.

Note que, quanto maior for a diferença de pressão, mais a tampa é empurrada contra o recipiente, tornando o efeito ainda mais contundente. Se a diferença de pressão for por volta de 90% (K = 0,1), teremos uma força resultante sobre a tampa bem maior, de quase 400N, ou seja, equivalente a 40 kgf, desta vez suficiente para equilibrar um corpo de 40 kg de massa próximo à superfície da Terra!

Deu para entender o "truque" físico? Aposto que se você vier a usar um recipiente destes, ao ouvir o "pssssssssss" do ar entrando pelo furinho, imedidatamente vai se lembrar deste post!

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