A MENTE QUE SE ABRE A UMA NOVA IDEIA JAMAIS VOLTARÁ AO SEU TAMANHO ORIGINAL.
Albert Einstein

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Oppenheimer - O filme

“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”

(John Donne, Meditações, VII).

Os mundos ficcionais são pensados até os últimos fios de cabelo de seus protagonistas, sejam eles reais ou não. A realidade, aliás, se torna paralela para esses novos sujeitos, ocupando um cargo que vai das reclamações dos puristas até a arbitrariedade de quem busca uma boa diversão por um preço justo.

Controle absoluto; essa é a regra fundamental da ficção, tão distante das milhares de chances e coincidências da vida real e do passado concreto. Essas histórias devem dar forma ao caos da experiência humana.[i] Julius Robert Oppenheimer pode não ter lido sua famosa citação “Agora eu me torno a Morte, destruidora de mundos”[ii] durante um encontro sexual, mas no filme, a cena funciona como um catalisador das ideias em volta dessa situação e do protagonista.

Nós esperamos a frase. Nós conhecemos a história e ela até já se tornou uma espécie de clichê. Por isso, pouco importa onde ou quando ela seja dita. O que possui maior destaque é o modo como essa cena sintetiza várias outras expectativas e situações, lidando com os nossos conhecimentos da situação e adicionando novas camadas. O efeito já era esperado, conferindo um ar de familiaridade para os que estão assistindo.

Em vários momentos, a ameaça da morte vem acompanhada do desejo sexual, seja na culpa pela morte da amante que não permitiu o amor, ou pelos casos de adultério que deveriam significar algo mais profundo, mas só indicam uma rápida tentativa de prazer. A empatia somente pode ser transmitida a partir do sexo, irracional e potente, carregado de uma raiva elementar, muito próxima do ato de destruição em massa.

O desespero acompanha o processo, como na cena em que em meio às pressões de fracasso do Projeto Manhattan, Oppenheimer expressa uma vontade descomunal de visitar a amante. Ele quer encontrar sentimentos simples, uma certeza durante um momento de incerteza absoluta. Se errar, a Terra literalmente irá explodir.

A ficção funciona porque nós escolhemos acreditar nessa visita, ainda que ela não possua nada de semelhante com o caos do mundo real. No caso do filme histórico, a trama se complica, pois lidamos com acontecimentos vistos por muitos como importantes e intocáveis. Mudar a história é o pecado original, caindo nas catastróficas consequências do anacronismo. Por outro lado, a função do documento fílmico é estabelecer “[…] uma relação, um reflexo, um comentário e/ou uma crítica com o corpo já existente de dados, argumentos e debates sobre o tópico em questão.

De forma parecida com o discurso dialético, o filme afirma-se a partir de zonas nebulosas, pelas sombras. “Com efeito, de tudo o que dissemos resulta que um discurso só é claro, do ponto de vista da dialética, se ele for coberto por certas zonas de sombra. Só os discursos cujos fundamentos primeiros são de algum modo obscuros (isto é, afetados de ‘negação’) são discursos efetivamente claros”.[iv] Ele não se expõe muito, como se estivesse receoso de ataques vindos dos mais variados flancos. Tampouco tenta ser neutro, afinal, assim como o próprio passado, nenhum resgate do que já foi pode ser destituído de uma carga política relevante para o presente.

No caso de Oppenheimer, novo filme do cineasta Christopher Nolan, a racionalidade confere sentido ao emocional, e vice-versa, construindo uma bomba que só pode ser detonada no público, hipnotizados pelos sons e imagens do sistema IMAX. A tecnologia é o meio pelo qual o cineasta transmite sua mensagem, sua ideologia, por assim dizer, de forma metafórica e literal. O criador é um sujeito perturbado, pois a tensão entre esses dois fatores somente pode ocasionar na contradição.

Há um voyerismo perverso em curso nessas telas de IMAX, com sujeitos enaltecendo a qualidade do som e reencenação do momento. O público é tomado por uma ansiedade sem comparação, contudo, ela merecer ser problematizada. É correto criar entretenimento a partir de algo tão horroroso? Claro que a ficção não pode ser apenas um passeio no parque, mas a problemática não se esconde em uma casca de profundidade. Trata-se de indicar um fator, não propor uma solução ou um simples boicote ao filme.

A construção da tensão serve seu propósito, tanto dramaticamente quanto moralmente, inserindo a audiência dentro dos conflitos presentes no período. Ainda assim, o processo não é tão digno, imerso em uma longa tradição estadunidense de incorporar seus medos e fobias psicológicas aos eventos históricos que eles mesmos causaram. A Guerra do Vietnã é o exemplo clássico, imenso divã para os cineastas colocarem suas aspirações e frustrações.

Em uma sala de cinema, a transmissão da história acaba funcionando como um parque de diversões, um momento catártico para aqueles que não vivenciaram a dramaticidade do real e agora, podem fazer parte do processo por outros meios. O cinema, muito mais do que finalidade artística, transforma-se em um recurso para deixá-los na beira de suas cadeiras, aguardando os próximos capítulos.

Querendo ou não, por mais nobres que as aspirações e mensagens políticas sejam, o processo é perverso, violento em seu âmago. A condenação acaba virando reprodução e o propósito se perde em meio ao entretenimento hollywoodiano. A substância está presente, mas nossos sentidos são abalados de um modo distinto e ininterrupto, interferindo na forma como podemos captá-la. Algo se perdeu pelo caminho.

O ódio é instrumentalizado e despido de quaisquer individualidades. Nós sabemos quem a bomba atingiu. O objetivo era puramente instrumental, uma manobra política e militar que encerraria todas as guerras? O crime é bem abordado pelo cineasta, mas o discurso é muito mecânico. As emoções não afloram (com exceção do medo) e as consequências parecem vazias de um significado mais profundo.

Estamos diante do maior atentado terrorista do século XX, uma violência direta contra civis e a inauguração dos temores nucleares da Guerra Fria. A segunda metade do século mais longo de todos seria muito diferente sem esses personagens. A representação do passado busca ser ambígua, sem indicar heróis ou vilões (ela consegue?) A situação é uma junção de sugestões, reafirmada pelo modo como os personagens secundários se comunicam com Oppenheimer.

Ele parece não ter poder de decisão, embora seja um gênio (assim descrito pela maioria de seus colegas e antagonistas) e o líder do Projeto Manhattan. As situações chegam até ele de um outro modo, como fragmentos de um discurso que ele ainda não pode captar por completo. As pessoas lhe dizem muito, mas ele responde pouco. Em certa cena, por exemplo, Edward Teller (interpretado por Ben Safdie) afirma não compreender no que Oppenheimer acredita e por consequência, não confia plenamente no companheiro de pesquisa.

No terceiro ato, a purgação do cientista é retratada de uma forma econômica, não tão preocupada com dilemas morais, mas com a política interna pós-1945. Os fantasmas saem do armário e a questão se torna pessoal: Strauss (interpretado por Robert Downey Jr.) ressente comentários passados de Oppenheimer, planejando uma elaborada vingança contra seu sentimento de humilhação pública. O pessoal adentra a arena política e os atores podem dar corpo aos seus personagens, por meio de longos monólogos em preto e branco.

Daí os padrões do gênero de tribunal substituem a inventividade estética, apostando em cortes e ângulos seguros, com exceção das incríveis sequências oníricas. A humanização dos atos e consequências acaba perdendo fôlego e é trocada por audiências e reuniões fechadas. O mundo demanda explicações, contudo, a alma daqueles em julgamento não recebe tanto enfoque. As posições políticas são mais importantes, afinal, estamos assistindo uma representação do passado, não um confessionário.

Ainda assim, seria importante conferir mais humanismo; dramatizar a realidade, expor o horror (mesmo que ele seja imaginado), como nos impressionantes momentos em que o mundo ao redor de Oppenheimer parece tremer sem parar. A culpa não pode ser apenas política: ela necessita de um arranjo maior. Sim, estamos diante de crimes históricos. Sim, estamos vendo um contexto de guerra mundial e luta contra um inimigo muito mais nefasto.

Todavia, o processo também apresenta características elementares, pois lida com a forma como vivenciamos e entendemos a noção de vida humana. Nós todos estamos conectados por esse evento, por mais longínquo que ele possa parecer no espaço ou no tempo. Ainda hoje, vivemos as consequências diretas das decisões desses homens em salas fechadas. Por isso, uma abordagem um pouco mais humanista seria fundamental. É necessário demonstrar como as questões nucleares entram no dia a dia, como afetam as pessoas comuns.

Essas são questões que não se limitam a uma ideologia, sistema político ou polêmica indicação de cargos públicos. Elas não podem ser esquemáticas, justamente por seu alcance descomunal, abalando as certezas que tínhamos até então e questionando nosso papel em um mundo muito maior do que nossas meras aspirações pessoais.

O próprio cientista era uma contradição ambulante, visto como psicopata e humanista de esquerda conforme a mudança de interesse de seus algozes. Alguns, como o resenhista citado aqui, afirmam que essa incompletude é o ponto alto do livro que inspirou Nolan, pois seria impossível definir J. Robert Oppenheimer como isso ou aquilo.[v] Por outro lado, acredito que o enfoque desmedido na incongruência seja um erro, afinal, a vida de um homem não apresenta as respostas para um dilema mais extenso, que perpassa o período retratado na obra.

O tal Prometeu funciona muito bem na teoria, mas acaba limitado pelas armadilhas da política e a ambição de alguns poucos homens. Como na maioria das biografias históricas, os grandes acontecimentos são o que importam, ainda que sejam filmados em salas fechadas, com sorrisos escondidos diante de uma avalanche de jornalistas.

Nesse sentido, para voltarmos a citação que inicia esse texto, o sentimento de comunidade é pouco explorado. Os homens ganham objetivos e ações muito singulares, imersas em um egoísmo deplorável (e muito real), mas a humanidade não recebe um tratamento tão longo quanto as longas horas no senado estadunidense. Há muito mais em jogo aqui; não são apenas nações ou ideologias, estamos lidando com a sobrevivência global.

A estrutura fílmica deveria ser mais plural, expandindo o modo como olhamos para nós mesmos enquanto agentes comuns, imersos em uma vida que não entendemos completamente. As coisas possuem causas, mas não quer dizer que elas expliquem tudo, como em uma longa teoria científica para alguns poucos alunos que observam uma lousa. A razão deve dar voltas em torno da emoção, por mais doloroso e complexo que isto possa vir a ser.

Com certeza, há lugares e situações melhores para explorarmos nessa provação, essa tortura. O mártir não precisa ser apenas político. Ele deve prestar contas a todos nós, por meio de um processo histórico plural. Nenhum homem é uma ilha, nem mesmo um gênio que roubou o fogo dos deuses e entregou a mortais que não sabem lidar com seus desejos de destruição.

Guilherme Colombara Rossatto é graduando em história na Universidade de São Paulo (USP).

Boa praça em Oppenheimer, Einstein detonou o Brasil

Embora J. Robert Oppenheimer seja o grande protagonista do longa de Christopher Nolan e um dos cientistas mais célebres da história moderna, sua fama ainda não chega aos pés de outro colega de profissão: Albert Einstein. Possivelmente o físico mais famoso da história, o alemão aparece em dois momentos de Oppenheimer e arranca alguns suspiros e risos da audiência.

No entanto, sua figura boa praça nem sempre esteve presente na realidade. Einstein veio ao Brasil em 1925 pela primeira e única vez para um ciclo de palestras na América do Sul. O físico já havia conquistado popularidade mundial ao revolucionar o planeta com sua Teoria da Relatividade.

No entanto, ao contrário da boa impressão causada pela natureza local, Einstein não gostou de sua estadia no país. Depois de alguns dias no calor carioca, o cientista chegou a escrever em seus diários que o Brasil é “quente e úmido demais para se efetuar qualquer trabalho intelectual”.

Sua colocação aconteceu após a dita palestra, que culminou em seu suposto desgosto pela experiência que teve no país. Em 6 de maio, no Clube da Engenharia, Einstein realizou uma palestra em francês, porém, quem o acompanhava não eram acadêmicos, mas, sim, militares e políticos acompanhados de suas famílias, resultando em choro, calor e confusão.

Nos dias seguintes, o alemão ainda realizou outras palestras, além de conversar com o presidente da República, Artur Bernardes, e de participar de eventos da comunidade judaica. No entanto, seu cerco de políticos interesseiros o fez cravar que “as pessoas lá são vazias e pouco interessantes – mais ainda do que as da Europa”.

Em Oppenheimer, vemos a construção do Laboratório Los Alamos, também conhecido como Projeto Y, cuja intenção era reunir físicos e industrialistas americanos no mesmo local. Situado em uma área remota e secreta do Novo México, o projeto tinha Oppenheimer como seu diretor e o intuito de construir uma arma letal o suficiente para encerrar de vez a Segunda Guerra Mundial.

Além de Murphy, o elenco conta com Matt Damon no papel de Leslie Groves, um oficial do Exército Americano, e Emily Blunt como Kitty Oppenheimer, sua esposa, bióloga e membro do Partido Comunista.

Florence Pugh interpreta Jean Tatlock, uma física e repórter, membro do Partido Comunista, enquanto Robert Downey Jr. dá vida ao oficial da Marinha Lewis Strauss. Rami Malek, Benny Safdie, Michael Angarano, Josh Hartnett, Kenneth Branagh, Dane DeHaan e Jack Quaid completam o elenco.



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