A MENTE QUE SE ABRE A UMA NOVA IDEIA JAMAIS VOLTARÁ AO SEU TAMANHO ORIGINAL.
Albert Einstein

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Isto é entrevista JEAN-MICHEL COUSTEAU

JEAN-MICHEL COUSTEAU
"O óleo derramado no Golfo do México vai chegar à Europa"


O filho de Jacques Cousteau critica a ação dos EUA e sugere uma comissão internacional para lidar com acidentes petrolíferos

Cousteau mergulhou com um cilindro pela primeira vez aos 7 anos

Jean-Michel Cousteau tinha 7 anos quando seu pai, o explorador Jacques-Yves Cousteau, pôs um cilindro de ar comprimido em suas costas e o jogou ao mar. “É uma liberdade extrema, uma terceira dimensão”, disse à ISTOÉ, em entrevista exclusiva concedida em Porto Alegre, onde ministrou palestra no evento Fronteiras do Pensamento. Ao lado de seu irmão caçula, Philippe (morto em um acidente, em 1979), Jean-Michel, hoje com 72 anos, participou de inúmeros documentários a bordo do barco Calypso, que tornaram lendário o nome da sua família.

"Meu pai me tirava da cama no meio da noite para observar
as estrelas e a Lua e entender o seu papel na navegação"

No ano em que Jacques Cousteau faria 100 anos, o herdeiro acredita que o pai, morto em 1997, continuaria focado na busca por soluções para o ambiente. “Ele já chamava a atenção para o fato de que precisávamos gerenciar melhor nossos recursos”, afirma. Atualmente, Jean-Michel preside a Ocean Futures Society, organização sem fins lucrativos dedicada à educação ambiental. Sua equipe – da qual seus filhos Fabien e Celine fazem parte – está no Golfo do México, documentando o maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos.

"Além do óleo derramado, os dispersantes usados para
tentar diluir a mancha no Golfo afetarão todos nós"


Isto é - Seu pai faria 100 anos em 2010. O que ele diria sobre o estado dos oceanos?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - Meu pai estava sempre procurando soluções. Muitos anos atrás, ele já chamava a atenção para o fato de que precisávamos gerenciar melhor nossos recursos. Uma das formas de fazer isso é parar de usar os oceanos como eterna fonte de recursos. Outra é não destruir os habitats costeiros, que estão criticamente ameaçados – meu pai diria que eles têm de ser protegidos por leis. E, finalmente, só pescar de forma sustentável. Devemos apenas retirar o que a natureza é capaz de produzir.

Istoé -O sr. costuma enfatizar que a educação é a melhor forma de salvar o planeta.
JEAN-MICHEL COUSTEAU - Não é o caso de salvar o planeta, mas de salvar a nós mesmos. O planeta não se importa. Quanto mais informação disponível, mais as pessoas podem tomar melhores decisões.

Istoé -O sr. já mergulhou no rio Amazonas. Qual o papel dos rios para a saúde dos oceanos?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - O Amazonas tem cerca de seis mil quilômetros, é maior que os Estados Unidos! Os nutrientes que chegam aos oceanos vêm dos rios. Por isso, o Amazonas tem um grande impacto no mar. Além disso, um quinto de toda a água doce do mundo – não importa em qual continente – vem dele. É um sistema hídrico extremamente complexo. Ele tem também um imenso impacto no clima, não apenas na Amazônia, mas em todo o planeta. Precisamos entendê-lo melhor. Há muitas pesquisas sendo feitas, mas precisamos fazer ainda mais. Podemos aprender muito com as plantas e os animais da região – para desenvolver medicamentos, por exemplo. A Amazônia é um lugar sagrado, que deve ser tratado como tal.

Istoé -O sr. mergulhou com um cilindro de ar comprimido pela primeira vez quando tinha sete anos, em 1945. Como foi esse primeiro choque?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - O equipamento era bem primitivo, mas pude ver coisas que não enxergava antes. É uma liberdade extrema, uma terceira dimensão. Eu queria ser livre como um peixe. Testemunhei meu pai e um engenheiro desenvolvendo o equipamento. Estava absorvido por aquilo e queria estar lá! Quando tudo estava seguro, meu pai decidiu que minha mãe, eu e meu irmão deveríamos mergulhar. Era tudo novo e ainda havia a dificuldade de injetar ar comprimido no cilindro. Meu pai ia até a Marinha francesa usar o compressor deles. Quando mergulha, você é como um astronauta – pesa menos, pode ficar de cabeça para baixo...

Istoé - O sr. é um entusiasta do programa espacial por conta disso?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - Meu pai, que aprendeu a navegar na Marinha, nos ensinou a operar um barco observando as estrelas, a Lua, o Sol e o vento, como os antigos navegadores. Eles não tinham instrumentos, estavam sempre olhando para a natureza. Meu pai nos tirava da cama no meio da noite para que pudéssemos observar o céu e entender o seu papel na navegação. Cresci com isso. O programa espacial sempre me fascinou. Afinal, qualquer astronauta é, antes de tudo, um mergulhador. É mergulhando que ele pode aprender sobre a terceira dimensão, a ser leve e, então, ir para o espaço.

Istoé - Na sua família havia outra opção nas férias que não fosse navegar e mergulhar?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - (Risos) Naquele tempo não éramos expostos a tudo a que as crianças são hoje. Não havia televisão nem rádio e éramos muito focados na atividade de nossos pais. Ouvíamos e obedecíamos. Eu ficava ansioso, talvez mais do que as crianças fiquem hoje, com a próxima novidade. Nunca questionei se eu tinha de estar envolvido nesse tipo de decisão familiar.

Istoé - Qual o nível de influência dos seus pais sobre o sr.?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - A atividade dos meus pais me levou a pensar que podia haver gente vivendo embaixo d’água. E um dia eu disse que seria o primeiro arquiteto a construir cidades submarinas. Por isso estudei arquitetura. Mas isso não é suficiente se você quer construir coisas embaixo da água. Então eu vi que tinha de aprender sobre construção de barcos. E que, se pudesse aprender sobre os dois, saberia fazer o que chamei de “arquitetura marinha”. O que não me dei conta na época é que os humanos foram feitos para viver na terra, não debaixo da água. Podemos ser visitantes, mas não podemos viver lá. Fomos feitos para ficar secos.

Istoé - Japão, Noruega e Islândia querem acabar com a moratória de caça às baleias, que dura 25 anos. Os EUA e outras nações propuseram um acordo de dez anos no qual a caça seria permitida sob rígido controle. É melhor manter a moratória ou tentar um acordo alternativo como esse?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - O que está sendo sugerido é matar baleias para protegê-las. Eu, pessoalmente, e a Ocean Futures Society, que eu represento, não concordamos. A menos que tenhamos um sistema muito melhor, a moratória em vigor deve continuar. Falhamos na tarefa de ver se a caça às baleias continuava. Os japoneses estão desrespeitando as regras: você pode ir ao mercado de peixe em Tóquio e comprar carne de baleia. Os japoneses dizem que podem caçar para pesquisas científicas, mas nunca produzem nada. Se não me engano, foram dois estudos nos últimos dez anos. O uso da ciência como desculpa é inaceitável. Até recentemente, os japoneses matavam entre 23 e 25 mil golfinhos todo ano. Eles os vendiam como carne de baleia e peixe. Isso tem de mudar.

Istoé - Os chineses têm a tradição de tomar sopa de barbatana de tubarão, assim como os islandeses comem carne de baleia. Como combater algo que já faz parte da cultura desses países?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - A razão “cultural” é extre­mamente limitada para ocasiões específicas. A sopa de barbatanas, se não me engano, só é tomada em casamentos, principalmente na China. Hoje, algo em torno de 100 milhões a 200 milhões de tubarões são mortos por ano. Isso está sendo feito apenas por dinheiro, sob a desculpa de “cultura”. A diversidade cultural, algo que respeito muito, é sinônimo de estabilidade. Mas você não pode tomar sopa de barbatana de tubarão, usando a desculpa da tradição, se do outro lado da rua há um restaurante do McDonald’s. Temos de voltar à realidade. E a verdade é que a carne desses animais deve ser reservada para ocasiões muito específicas.

Istoé - Precisamos de uma moratória da pesca também?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - Ninguém pode ditar o que um país deve fazer em suas águas territoriais, isso tem de acontecer nação por nação. Os pescadores têm família, como eu e você. Se pararem de pescar, perdem seu trabalho. O que é necessário é mudar o modo como eles pescam. Devemos pegar apenas o que a natureza pode prover.

Istoé - Como as mudanças climáticas estão afetando os recifes de coral?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - Eles morrem se a água está muito fria ou muito quente. E cada espécie é diferente da outra. No Caribe, por exemplo, as temperaturas estão subindo e há lugares em que metade dos corais já morreu. Temos que trabalhar para que isso não ocorra, mas é muito difícil. Nas Bahamas, os recifes são necessários para proteger as ilhas de tempestades e furacões. Toda essa proteção está morrendo e essas ilhas podem ser invadidas pela água. As pessoas terão de sair de lá.

Istoé - Estamos usando a água como se fosse um recurso infinito?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - A água engarrafada é mais cara que a gasolina. Tem algo errado aí. Isso tem que mudar, porque uma é vida e a outro, supérflua. Talvez você não viva tão bem sem o seu carro, mas... Há escolhas que temos de fazer. Há muita água engarrafada que vem da torneira. Isso é ridículo! E não é só a água que vem sendo usada dessa maneira. Os Estados Unidos representam 5% da população mundial e consomem 25% da energia produzida na Terra.

Istoé - Sua equipe está gravando um documentário no Golfo do México, cenário do maior desastre ambiental dos EUA. O que viu por lá?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - Estivemos lá três vezes e agora estou voltando. Vamos mergulhar para ajudar alguns cientistas, recolhendo alguns peixes. O maior temor é de que o petróleo tenha certos componentes que possam afetar a vida marinha. E os dispersantes usados na tentativa de diluir a mancha podem estar afetando os animais de outra forma. Os dois juntos, por sua vez, podem ter outros efeitos danosos, e é isso que queremos descobrir. Essa combinação não afeta só a vida marinha, e sim todos nós.

Istoé - O óleo vai atingir a Europa?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - Sim, bem como os dispersantes. Essa água suja está sendo levada pela corrente do Golfo do México. Ao que tudo indica, logo vai atingir França, Inglaterra, Espanha e Portugal. É assim que o sistema trabalha.

Istoé - Engenheiros dizem que só podem aprender a lidar com um acidente como esse quando ele ocorre. O que o sr. acha dessa afirmação?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - Essa é uma péssima desculpa. Sabemos que o acidente do Golfo do México poderia ter sido evitado. Pior: há testemunhas dispostas a declarar que os dispersantes só fizeram o problema aumentar. Além disso, quando você realiza um trabalho há mais de mil metros de profundidade, tem de estar preparado para um acidente. Eles não estavam.

Istoé - O sr. diria que o governo americano demorou para agir?
JEAN-MICHEL COUSTEAU - Governos não são especialistas em perfuração de petróleo. O que sugiro é que seja criada uma comissão internacional com essa especialidade completamente independente e composta de pessoas de diferentes países. Hoje, os governos são influenciados pelo dinheiro das indústrias e pela política. Uma comissão independente poderia supervisionar a atividade petrolífera em qualquer lugar, e todos iriam obedecer às mesmas regras – inclusive na prevenção de acidentes.

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