A MENTE QUE SE ABRE A UMA NOVA IDEIA JAMAIS VOLTARÁ AO SEU TAMANHO ORIGINAL.
Albert Einstein

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Sociedade & Futebol



Robben, a ilha e o jogador
Por Diogo Mainardi

“Se, depois de sair da Ilha Robben, Nelson Mandela derrotou o fanatismo racista, Robben, com seus dribles, deu um passo adiante, ridicularizando o fanatismo politicamente correto e a propaganda multirracial”
A ilha Robben. Nelson Mandela passou duas décadas preso na Ilha Robben. O regime do apartheid tinha ali sua mais temida cadeia. E quem foi o mais temido protagonista da Copa do Mundo na terra de Nelson Mandela? Isto mesmo: Robben, o camisa 11 do time da Holanda, o ponta-direita repetidamente chutado por Michel Bastos e pisoteado por Felipe Melo.
Robben é branco. Van Bommel é branco. Sneijder é branco. Iniesta é branco. Casillas é branco. Villa é branco. De acordo com a Lei de Registro Populacional, promulgada pelo regime do apartheid, os finalistas da Copa do Mundo, Holanda e Espanha, foram escalados da seguinte maneira:
Holanda (4-2-1-3) – Branco; coloured, branco, branco e branco; coloured e branco; branco; branco, branco e branco. Técnico: branco.
Espanha (4-4-2) – Branco; branco, branco, branco e branco; branco, branco, branco e branco; branco e branco. Técnico: branco.
A última final de Copa do Mundo com tantos jogadores brancos ocorreu quando Nelson Mandela ainda estava preso na Ilha Robben. Só o vestiário de um campo de críquete, nos tempos do regime racista, poderia igualar-se ao vestiário do estádio de Johannesburgo, na final desta Copa do Mundo.
Além de ser branco e de ter o nome de uma temida cadeia do regime do apartheid, Robben jogou com aquele seu uniforme laranja. O laranja, da casa real holandesa, era a cor dos colonos bôeres. Trata-se de mais um símbolo do passado segregacionista encarnado por Robben. A arquibancada do estádio de Johannesburgo, com todos os torcedores vestidos de laranja, evocava o Estado Livre de Orange.
Os holandeses chegaram à Cidade do Cabo em meados do século XVII, com a Companhia das Índias Orientais. Eles ocuparam o território, disseminaram a escravatura, massacraram os zulus, combateram os ingleses, apoiaram os nazistas e, finalmente, segregaram os negros durante o apartheid. Quase 400 anos antes da canhotinha de Robben, os holandeses já eram temidos protagonistas naquele lugar.
Da Ilha Robben a Robben, porém, tudo mudou. A memória do apartheid só permaneceu como instrumento de poder do partido de Nelson Mandela, o CNA. Em vez de ser usado, como no passado, para segregar os negros em guetos nefandos, atualmente ele é usado apenas para tentar acobertar as nefandezas cometidas pelos mandatários do CNA, como o presidente Jacob Zuma, um dos antigos prisioneiros da Ilha Robben.
Se, depois de sair da Ilha Robben, Nelson Mandela derrotou o fanatismo racista, Robben, com seus dribles, deu um passo adiante, ridicularizando o fanatismo politicamente correto e a propaganda multirracial. O temido protagonista do time da Holanda fundou, com sua canhotinha, o Estado Livre de Robben.


Patrícia Amorim: “Aqui, o Bruno não joga mais”



A presidente do Flamengo, em entrevista exclusiva a ÉPOCA, diz que vai processar o goleiro por perdas e danos e pretende demiti-lo por justa causa, seguindo a orientação dada nesta sexta-feira (16) pelo conselho de juristas convocado pelo clube: “Ele não é o modelo que queremos aqui na Gávea”

ÉPOCA – O advogado do goleiro Bruno pediu habeas corpus para ele. Caso o goleiro seja libertado, caso os depoimentos não sejam suficientes para sua condenação e ele se apresente no clube, o que fará o Flamengo?
Patrícia Amorim - Aqui, o Bruno não joga mais. Não dá. Desgastou demais a marca e a imagem do clube. E sua postura é inaceitável. Sempre teve reações intempestivas, assumiu a posição de capitão como se pudesse mandar em todos, como se fosse o dono da verdade. Havia um descontrole sim. Xingava, chutava até a garrafinha do isotônico. Enquanto o Léo Moura saía do campo chorando e outro jogador saía de cabeça baixa, ele saía chutando muito o portão no vestiário.


ÉPOCA – Como era sua relação com o capitão do time?
Patrícia - Eu dizia ao Bruno que estava errado. Depois ele pedia desculpas, dizia que estava com a cabeça quente. Vinha me contar a história de ter sido abandonado, e ser criado pela avó. O problema é que o Bruno via a liderança sempre como uma postura para se impor berrando. Eu não precisava levantar a voz. Ele chegava na minha sala com uma postura de valente e saía com outra, dócil.


ÉPOCA – Como foi a briga do Bruno com o Petkovic?
Patrícia - Ah, ele achou que o Pet não jogou tudo que podia jogar. Aí acho que era uma disputa normal mesmo, de futebol, e nisso não vejo tanto problema.

ÉPOCA – Quais foram as conversas mais difíceis com o goleiro?
Patrícia - Quando ele xingou os torcedores, por exemplo. Começou a dizer que estava ‘insustentável’ a relação com a torcida e que ele ‘só ia treinar se falasse com a presidente’. Eu disse a ele que tinha gente ali na arquibancada ganhando salário mínimo. Muitos no estádio não ganhariam a vida inteira o que ele ganhava num mês. Falei da oportunidade que ele teve na vida, do talento. Achei que tinha adiantado, mas não teve efeito. Dei tanta lição de moral, nem gosto de pensar nisso. Aí, ao defender o Adriano, que tinha brigado com a namorada, ele perguntou ‘qual homem não tinha saído na mão com a mulher’. Eu o chamei aqui imediatamente, mandei ele se retratar e ele pediu desculpas publicamente ao lado da filha.


ÉPOCA – O Flamengo não deveria ter advertido os jogadores antes, quando Adriano apareceu em fotos com fuzis de mentirinha, e Vagner Love chegou escoltado por supostos traficantes armados numa favela? O clube não poderia advertir, punir e ameaçar rescindir o contrato?
Patrícia - Quando a corda já está esticada, fica difícil. Eu sempre fui muito presente desde que fui eleita presidente. Tinha um negócio errado, eu falava direto. Descontava o dia. Mas nunca adiantou. Esse trabalho de contenção deveria ter sido feito ao longo da formação desses jogadores. Essa geração cresceu com bad boys como ídolos, desde o Romário e o Edmundo. Em 1994, por exemplo, o Flamengo tinha outro tipo de bad boy. Era mais malandragem, menos violência. Olha como as coisas pioraram. Antes, eles tinham um monte de mulheres, faziam filhos fora do casamento, mas pelo menos eles assumiam os filhos. Os clubes e a estrutura do futebol não se preocuparam com esses desvios e isso passou a fazer parte do contexto. A coisa tomou outro vulto agora. Esse universo deles inclui agredir mulheres e dar essas festas inacreditáveis, até com jumentos e anões. Em vez de jogadores, passaram a ser celebridades. Quem é a referência do Flamengo hoje?


ÉPOCA – Que medidas concretas foram tomadas depois que ele foi acusado de sequestrar Eliza no Rio e estar envolvido em seu crime em Minas Gerais?
Patrícia - A primeira coisa que fizemos foi afastar imediatamente, antes mesmo que fosse detido. Mas não podíamos proibi-lo de treinar longe dos outros, antes de ser indiciado. Depois, suspendemos o pagamento porque ele não está prestando o serviço para o qual foi contratado. Bruno ganha um salário de R$ 150 mil por mês, e se juntar luvas, patrocínio, e bônus pelas vitórias, acredito que sua remuneração mensal no ano passado tenha ficado em R$ 250 mil. Ficamos pensando como faríamos a rescisão do contrato com ele: justa causa ou não? Discutimos duas noites seguidas. Não se chegou à unanimidade.


ÉPOCA – Com todas essas acusações pesadas contra o Bruno, e o clube há duas semanas em manchetes policiais, isso já não seria suficiente para demitir o goleiro?
Patrícia - Há jogadores que não têm contrato de imagem, só de trabalho, como é o caso do Bruno, cujo contrato é regido pela CLT. Para rescindir o contrato dele sem justa causa, o Flamengo teria de pagar 6 milhões de euros. Aí eu não podia ser irresponsável, agir só com paixão, e dizer “manda embora”, sob risco de prejudicar o clube. Exatamente por eu não ter competência na área criminal, reuni um conselho de notáveis para discutir e chegar a uma conclusão. E eles acabam de me recomendar a rescisão do contrato do Bruno por justa causa. Se exigirmos dele também compensação por perdas e danos, o valor que pediremos será igual ao da rescisão.


ÉPOCA – Seu desejo pessoal seria desligar totalmente o goleiro o mais rápido possível?
Patrícia - Com certeza. Tudo isso foi um baque enorme. Eu gostaria sim que ele fosse demitido por todo o desconforto e desgaste que causou ao Flamengo e aos torcedores, desde que não haja nenhum tipo de dolo para o clube.


ÉPOCA – Como tem reagido a torcida?
Patrícia - Tem de tudo. Desde o torcedor que se diz humilhado, com o coração sangrando, até os que mantêm o carinho pelo goleiro porque se recusam a acreditar na culpa dele, especialmente as crianças. Ídolo é ídolo. Ele vendia mais camisas do que o Rogério Ceni. No Maracanã, depois do jogo com o Botafogo no Maracanã, uma família de flamenguistas chegou a mim perto do vestiário e a filha, de 9 anos, me fez o seguinte pedido: ‘Se você for visitar o Bruno, diz que eu amo ele?’ Eu fiquei desconcertada, nem sabia o que dizer.


ÉPOCA – Não seria preciso mexer no time para passar uma mensagem e disciplinar os jogadores?
Patrícia - Eu herdei uma situação em que alguns jogadores gozavam de regalias, ou privilégios. Não gostava disso, mas, com o título brasileiro este ano, eu não tinha como mexer em nada, nem na base do time nem na comissão técnica. Era como mexer num vespeiro. Existia um sentimento geral que me incomodava muito, do tipo: ‘Ah, na hora do jogo esses aí decidem’. Como se isso bastasse. Era um time vencedor. E a torcida quer a mão na taça. Grita no estádio o nome do jogador. Picha os muros quando o time joga mal. As renovações foram muito mais complicadas e desgastantes depois do título. Jogadores e treinadores achavam que podiam tudo. Eu tinha coragem mas enfrentava um time fechado, com muito corporativismo. O bom foi que esses privilégios começaram a incomodar o próprio grupo e também aos formadores de opinião. Comecei a tratar tudo com transparência, sem esconder os problemas. E chamei o Zico porque não há melhor pessoa para estabelecer esses parâmetros de comportamento. E nós não vamos mais ficar reféns de atleta nenhum. Porque já enfrentamos o pior. Nada pode ser pior do que o que aconteceu no caso Bruno.


ÉPOCA – Quais são os maiores desafios do Flamengo?
Patrícia - Grupos dominantes fragmentaram o clube. Eu não sou de feudo nenhum, não pertenço a grupo nenhum, eu pertenço ao Flamengo. Isso me deixa muito à vontade para receber todos os empresários e ouvi-los. E também para criticar comportamentos que me dão pavor, como o de cartolas que adoram sair em fotos abraçados com jogadores. Precisamos sim de investimento, precisamos pagar aos poucos as dívidas. Nos primeiros meses, só conversei sobre dinheiro aqui e não sobre futebol. A sorte é que meu marido é economista e eu me cerquei de pessoas que entendem de finanças.


ÉPOCA – Houve conversas suas com os jogadores depois que Bruno foi preso?
Patrícia - Falei com alguns em particular, o Leo Moura, o Pet, o Lomba, que substituindo o Bruno, o Willians, que era companheiro de quarto do goleiro. Mas também reuni o grupo e perguntei a eles: ‘Quem garante que isso não vai acontecer de novo?’ Todo mundo ficou mudo.


ÉPOCA – E as categorias de base? Existe um plano para formar jogadores com outro tipo de caráter e valores?
Patrícia - Aí, sim, precisamos de um investimento grande. Vamos construir escolas aqui dentro. Este é o foco. O clube precisa assumir sua função de formador, não só de atletas. Esses meninos têm que sair do Flamengo como grandes homens, em primeiro lugar. Se puderem também ser grandes jogadores, ótimo. O clube precisa retomar sua relação direta com os jogadores, sua ascendência, em vez de ficar nas mãos de empresários e de assessores de imprensa dos jogadores, como se tivesse lidando com um bando de celebridades. O que eu defendo é a volta da responsabilidade, tanto dos jogadores quanto dos dirigentes.


ÉPOCA – Em algum momento desse drama, sendo mãe de quatro filhos, dois deles gêmeos, houve algum arrependimento por ter se candidatado à presidente do Flamengo?
Patrícia - Olha, noutro dia uma senhora chegou para mim e disse: ‘Ai, eu não queria estar no seu lugar, deve ser terrível’. E eu respondi que estou no lugar que eu quero estar. O Flamengo é muito mais do que o Bruno, é a tradição, a história, tem uma enorme força de mercado e público. O Flamengo é um tesouro. Não só no futebol. É o Flamengo do Cesar Cielo, do Diego Hipólito. Perdemos agora algumas batalhas mas no fim tenho certeza de que existe um arco-íris esperando por nós. E como tudo que o Zico fala tem uma força enorme, tenho convicção de que vamos unir o Flamengo e sair dessa. Zico é o Flamengo que deu certo.


A nova cláusula nos contratos dos jogadores do Flamengo
"O atleta X (nome do atleta), se obriga expressamente em honrar a imagem e o bom nome do CRF e de seus patrocinadores, mantendo conduta ilibada dentro e fora de campo, observando as regras de boa conduta e imagem pública que lhe são pertinentes, sob pena de rescisão imediata do contrato, sem qualquer ônus para o CRF.

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