A MENTE QUE SE ABRE A UMA NOVA IDEIA JAMAIS VOLTARÁ AO SEU TAMANHO ORIGINAL.
Albert Einstein

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

::: Como o peixe-arqueiro sabe para onde atirar ? :::

O peixe-arqueiro dispara um jato d'água para derrubar o seu alimento
                                    ( Foto Uol - Ciência e saúde )

Se você não entendeu a minha pergunta e já está dizendo "é óbvio que o peixe mira no inseto!", é justamente aí que está a minha questão. Explico. É que o peixe, de dentro d'água, não vê exatamente o inseto mas apenas uma imagem do inseto que é formada quando a luz passa do ar para a água (note na foto que o olho do peixe está abaixo da superfície de separação ar/água). E o problema é que a imagem do inseto e o inseto verdadeiro (que chamamos em Óptica de objeto) não estão no mesmo lugar! Logo, o peixe não pode mirar no que vê que é apenas uma imagem virtual! Ele deve mirar no que não vê! Afinal, ele não se alimenta de insetos virtuais e sim de insetos reais! E, se esta espécie de peixe não foi extinta até hoje, com certeza a sua técnica de conseguir se alimentar de insetos derrubando-os na água é muito eficiente! Certo? Logo, o peixe "sabe", de alguma forma, para onde atirar! Incrível, não?

A explicação para a imagem não coincidir com o objeto está no fato de que a luz, quando passa de um meio para outro, quase sempre sofre um desvio. Só não desvia se incidir numa direção perpendicular à superfície de separação entre os meios. Em todos os outros casos a luz muda de direção. E quem decide "para onde" e "quantos graus" a luz vai desviar é a relação entre os índices de refração dos meios materiais envolvidos, neste caso nar e nágua, relacionados com os ângulos i de incidência e r de refração através da Lei de Snell-Descartes (a segunda Lei da Refração).


Os índices de refração absolutos do ar e da água valem nar= c/Var e nágua= c/Vágua onde c é a velocidade de propagação da luz no vácuo e Var e Vágua a velocidade da luz no ar e na água.

Muita informação, não é mesmo? Mas não se desespere. Vou explicar tudo, em detalhes, e com calma.

Vamos começar imaginando um raio de luz que parte do inseto (objeto O), propaga-se pelo ar, e penetra na água numa direção perpendicular à superfície de separação ar/água. Como eu já disse, neste caso não há desvio. A figura abaixo ilustra a ideia.


Imagine agora um segundo raio de luz, desta vez inclinado. Ele forma um ângulo i com a direção perpendicular à superfície de separação ar/água indicada na figura abaixo pela linha branca tracejada chamada de normal N. Ao entrar na água, mais refringente que o ar, o raio de luz sofre desvio, aproxima-se da normal N e forma com ela um ângulo r < i.
Agora ficou fácil encontrar a imagem I que será formada do objeto O (inseto): basta prolongar os dois raios de luz que atravessaram para dentro da água e, onde eles se cruzarem, teremos I. A figura a seguir ilustra o que estou dizendo.


O olho do peixe recebe parte do cone de luz (em verde claro) delimitado pelos raios que atravessaram a fronteira de separação entre os meios (ar e água). Esta porção de luz carrega a informação visual e assim o peixe vê a imagem I do inseto em vez do próprio inseto (objeto O). Note que o objeto O e imagem I não coincidem! A imagem está mais para cima que o objeto! Em outras palavras, di > do (di é a distância da imagem até a superfície de separação ar/água enquanto que do é a distância do objeto).

Em outras palavras, o peixe vê I (mais para cima) mas tem que atirar em O (mais para baixo). Afinal, como eu já disse, ele se alimenta de O e não de I!

Entendeu melhor agora a ideia central por trás da minha pergunta logo no início do post? O que me intriga é que o peixe-arqueiro é muito bom no que faz, sabe bem "para onde" atirar?! Você deve estar pensando que na prática a diferença entre I e O é mínima, da ordem de apenas alguns milímetros, certo? Logo, basta o peixe cuspir um jato d'água um pouco mais espesso que acaba acertando o inseto verdadeiro mesmo mirando na sua imagem. Foi o que eu já pensei um dia. Mas podemos estimar esta diferença usando Geometria e Óptica para tirar a dúvida. Vamos tentar?


:: A Equação do Dióptro: relacionando di com do

O efeito descrito acima tem tudo a ver com o fato de que uma piscina, um tanque ou um aquário com água, quando vistos por cima, sempre parecem ser mais rasos do que de fato são. Você já deve ter observado isso na prática, não? E mais uma vez a explicação está no desvio que a luz sofre na refração, na passagem da água para o ar.

Vamos analisar este caso para obter uma relação matemática entre di e do. Assim poderemos estimar o valor real da diferença |di - do|.

Vamos imaginar uma piscina com água. Marcamos um ponto O (Objeto) no fundo dela. Raios de luz saem deste ponto e atravessam a fronteira água/ar. Inicialmente vamos tomar um raio de luz que incide no ponto A, perpendicularmente à superfície de separação água/ar. Como já comentamos, neste caso, segundo a Lei de Snell-Descartes, não há desvio. Veja na figura abaixo.


Vamos tomar um segundo raio, agora inclinado, que incide no ponto B, formando com a normal N um ângulo i na incidência e um ângulo r na refração. Agora, indo do meio mais para o meio menos refringente, o raio de luz afasta-se da normal tal que r > i.


Prolongando os dois raios que emergem da água e passam para o ar encontramos a imagem I. Confira abaixo.


Note que agora a imagem I está mais perto da superfície de separação água/ar do que o objeto O. Uma pessoa, de fora d'água, vai ver este ponto que pertence ao fundo da píscina mais para cima pois seus olhos recebem uma parte do cone de luz (verde) delimitado pelos raios emergentes. Para esta pessoa, di < do.
Todos os outros pontos do fundo da piscina terão imagens mais para cima. Portanto, para o observador no ar, o fundo da piscina parece estar mais para cima, ou seja, a piscina parece ser mais rasa. Concorda? Bonito isso, não?

Mas não vamos perder o nosso foco: queremos, de fato, encontrar uma relação matemática geral entre di e do. Certo? Com ela poderemos estimar "quanto" mais rasa a piscina vai parecer. Ou, no problema do peixe-arqueiro, qual a distância entre o inseto e sua imagem.

Repare na figura acima que temos triângulos retângulos importantes (ΔOAB e ΔIAB) com ângulos internos notáveis (i e r).

Do ΔOAB tiramos que:


Da mesma forma, do ΔIAB encontramos:


Isolamos o seguimento de reta AB nas equações acima e encontramos:



O seguimento de reta AB nas duas equações acima é o mesmo. Logo, podemos igualar os segundos membros das expressões e teremos:


E a expressão acima pode ser reescrita como:


Pronto! Já temos uma boa relação matemática entre di e do, ou seja, uma Equação do Dióptro. Mas ela ainda pode ser simplificada uma vez que na prática os ângulos i e r não costumam ser tão grandes. E para ângulos pequenos, menores do que 10 graus, o valor da tangente tende para o valor do seno. Assim:


Desta forma, a Equação do Dióptro acima obtida pode ser simplificada em:


Mas o segundo membro desta expressão aparece na Lei de Snell-Descartes:


Assim a Equação do Dióptro ar/água simplificada para observação normal (ou ângulo pequenos) será:


Ou seja:


Note que a equação acima foi encontrada para os meios ar e água. Mas, a rigor, ela deve valer para qualquer par de meios transparentes e homogêneos. Observe que, neste caso, o ar é o meio para o qual a luz "passa" enquanto que a água é o meio do qual a luz "provém". Assim podemos generalizar:


Ufa! Se você não gosta de calculeira, esqueça-a! Ela é apenas a ferramenta matemática para ancorar as nossas ideias, ou seja, para termos um modelo do fenômeno estudado. Agora você já tem o que precisa, a equação, a tradução matemática do seu modelo. Use-a e pronto! É exatamente isso que faremos agora para descobrirmos a profundadidade aparente di de um tanque de 4m de profundidade (do = 4m) com água de índice de refração absoluto nágua = 4/3 e sabendo ainda que o índice de refração absoluto do ar vale nar = 1,00. Vamos lá, direto na Equação do Dióptro:


Conclusão: uma piscina de 4m de profundidade, observada por alguém fora d'água, parece ter apenas 3m de profundidade. Uma diferença de |di - do| = 1 m!

Voltando ao caso do peixe-arqueiro, estimando que o inseto esteja a 30 cm acima da água (do = 30 cm), podemos descobrir onde se encontra a sua imagem vista pelo peixe, ou seja, o valor de di. Veja:



Conclusão: a imagem que o peixe vê está a 40 cm acima da superfície de separação água/ar enquanto que o inseto encontra-se a 30 cm. A diferença entre I e O é de |di - do| = 10 cm. Não é tão pequena!

E tem ainda um outro efeito: um jato d'água, uma vez disparado, não segue em linha reta (veja na foto acima que o jato está ligeiramente curvado). A gravidade força o jato a assumir forma parabólica (saiba mais sobre isso aqui).

Resumindo: o peixe, em seu tiro, tem que levar em conta o desvio sofrido pela luz ao atravessar a fronteira entre a água e o ar (refração) e também o efeito da curvatura do jato pela gravidade! Será que o peixe-arqueiro conhece bem tanto Óptica quanto Mecânica?

Deixe seu comentário lançando uma hipótese que explique este incrível tiro certeiro! Sinceramente, eu não sei como o peixe faz isso!

::: OBF 2010 - PRIMEIRA FASE :::



Aconteceu no sábado, em todo o território nacional, a primeira fase da OBF - Olimpíada Brasileira de Fìsica, evento oficial da SBF - Sociedade Brasileira de Fìsica.

Mais uma vez, alunos do nono ano do ensino fundamental até a terceira série do ensino médio toparam o desafio e, em pleno sabadão à tarde, realizaram a instigante tarefa de encarar uma prova de Física no espírito de, independente de resultados, aprender mais! Isso é fantástico, não?

A OBF seleciona anualmente os melhores alunos de Física do Brasil para compor as equipes que vão defender o país nas olimpíadas internacionais de Física: OIbF - Olimpíada Ibero Americana de Fìsica e IPhO - International Physics Olympiad.

Vale destacar que o Brasil foi o campeão nas últimas duas edições (2008 e 2009) da OIbF na qual participam países da América Latina mais Portugal e Espanha. Entre 26 de setembro e 02 de outubro de 2010 acontecerá a 15a. edição da OIbF/Panamá. Estamos na torcida por mais uma atuação brasileira de alto nível. A equipe Brasileira deste ano é composta pelos alunos Danilo Silva de Albuquerque (Fortaleza/CE), Elder Massahiro Yoshida (São Paulo/SP), Lucas Colucci C. de Souza (São Paulo/SP) e Matheus Barros de Paula (Taubaté/SP).

Desde o ano 2000 o Brasil participa da concorridíssima IPhO. O os resultados também têm sido bastante animadores, prova inconteste de que o ensino de Fìsica no Brasil, que já progrediu bastante nos últimos anos, ainda tem muito espaço para crescer em qualidade. Basta investir pesado e incentivar cada vez mais alunos para encararem o desafio.

Professores e alunos da equipe brasileira na IPhO 2010

Na IPhO 2009 em Mérida/Mèxico, os brasileiros trouxeram duas medalhas de prata, duas de bronze e uma menção honrosa.

Valeu pela participação na prova de sábado em especial a 223 centro pelo 100% de frequência. Quanto melhor é a participação, mais nos sentimos na responsabilidade de continuarmos crescendo. E isso é desafiador! É o combutísvel
para sermos cada vez melhores!
(Wellingthon/Kleber/Petilo)

Amigos, este estudo feito pelo professor Dulcidio Braz Júnior é muito interessante... Um abraço

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