Neto de Jacques Cousteau lidera expedição ao Círculo Polar
Ártico para estudar o aquecimento global no ambiente mais
vulnerável às suas consequências
Fred LealAVENTURA
Cientista encara as adversidades do Ártico para estudar o aquecimento global
Considerado por cientistas de todo o mundo como “o ar-condicionado da Terra”, o Ártico é peça fundamental no entendimento do processo de aquecimento global. Exatamente por isso, uma equipe multinacional de cientistas segue em direção ao gelado Polo Norte pelo terceiro ano consecutivo, buscando estudar o impacto potencial das mudanças no meio ambiente ao longo dos próximos anos. Trata-se da mais ambiciosa expedição científica à região até hoje.
O Círculo Polar Ártico envolve a região polar e o Oceano Ártico, além de áreas mais extremas da América do Norte, Europa e Ásia – que incluem cidades da Noruega, Finlândia e Groenlândia e do Alasca. A Rússia é a grande potência regional, abrigando a maior cidade dentro do Círculo (Murmansk, com cerca de 325 mil habitantes). Um dos líderes da nova expedição é neto do renomado explorador marinho Jacques Cousteau, o jovem ambientalista e apresentador de tevê Philippe Cousteau, 31 anos.
Enquanto a maioria das incursões polares acontece a partir de bases navais ou laboratórios permanentes, a expedição aposta no alto risco como fonte das maiores recompensas: para estudar as condições do Ártico in loco, os exploradores optaram por montar acampamento em cima de uma geleira na ilha de Ellef Ringnes, parte do território canadense localizada a apenas 675 milhas náuticas de distância do Polo Norte geográfico.
EXTREMO
Cientistas liderados por Philippe Cousteau chegam à base
na remota ilha de Ellef, no Canadá, a bordo de helicópteros
O Oceano Ártico é o menor e mais raso do planeta, mas tem importância incomparável por causa da alta refletividade da neve e do gelo e do seu papel na regulação das correntes atmosféricas e oceânicas. Além disso, a região interfere na distribuição de calor entre trópicos e polos, fazendo com que a maior parte do globo seja habitável. “À medida que o gelo polar derrete, a refletividade da calota diminui e as correntes oceânicas são alteradas”, afirma Philippe Cousteau. “Essa função crucial pode mudar, com consequências drásticas para todo o planeta.”
A base de Ellef Ringnes será formada por 17 barracas, e os primeiros cientistas aventureiros já chegaram até ela no dia 12 de março. A equipe ainda contará com um produtor de tevê e operador de câmera do canal americano CNN, além de biólogos, oceanógrafos e até um cachorro da raça husky siberiano chamado Tuk – o principal alarme contra as possíveis visitas de ursos polares. A pesquisa vai até 29 de abril.
Para explicar o que motiva os pesquisadores a ir às partes mais remotas do planeta, Philippe Cousteau cita um dos mais importantes personagens do Ártico, o explorador irlandês Ernest Shackleton (1874-1922). “Ele disse que o homem viaja aos espaços mais ermos da natureza por vários motivos, como a paixão por aventura, a sede de conhecimento e o fascínio pelo desconhecido. Essa expedição é um pouco de todos os três – aventura, ciência e mistério –, em um esforço para explorar um mundo que conhecemos muito pouco, mas é crucial para a manutenção da vida como a conhecemos.”
A semana 2 - O veneno da radiação
A água de Tóquio já está contaminada. Agora partículas
radioativas da usina de Fukushima I atingem até a Islândia
Luiza VillaméaPERIGO
Médicos usam proteção para receber dois trabalhadores feridos na usina nuclear
A água continua jorrando em abundância nas torneiras de Tóquio. A aparência não mudou, mas o medo da contaminação radioativa é tanto que o líquido encanado virou uma ameaça em potencial e o estoque de água engarrafada no comércio está esgotado. A corrida pela água de garrafa foi a reação imediata dos moradores aos testes que detectaram níveis de radioatividade acima dos normais na estação de tratamento de Kanamachi, que abastece Tóquio e cinco cidades do entorno. “A água corrente pode ser usada, mas recomendamos que seja evitada na preparação de mamadeiras para bebês”, alertou o governador de Tóquio, Shintaro Ishihara. De nada adiantou o governador insistir que o índice de radiação detectado era contra-indicado apenas para crianças com menos de um ano. Pais e mães deixaram de diluir o leite em pó dos bebês na água da torneira – 80 mil famílias começaram a receber uma cota diária de água engarrafada –, mas ninguém quer se arriscar a consumir um índice além do normal de iodo-131, o elemento radioativo que, a longo prazo, aumenta o risco de câncer de tireoide.
Como se não bastassem as suspeitas em torno da água, na sequência foram encontrados níveis de césio-171, outra substância radioativa prejudicial à saúde, em verduras cultivadas nos arredores de Tóquio. Onze legumes já haviam sido vetados para o consumo depois de apresentar altíssimos índices de contaminação na região da usina Fukushima I, desestabilizada desde o dia 11 de março, quando um terremoto de 9 graus na escala Richter abalou suas estruturas. Mas Tóquio fica a 250 quilômetros da usina e os cientistas ainda não sabem como a radioatividade atingiu a capital. A mesma dificuldade ocorre em relação à forma pela qual a radioatividade está escapando de Fukushima I. “Não sabemos se o maior vazamento vem da contenção do reator ou das piscinas de combustível”, admitiu James Lyons, da Agência Internacional de Energia Atômica.
SEM RISCO
Em Tóquio, bebês de até um ano têm direito à cota de água engarrafada
Seja qual for a principal fonte da radioatividade, o certo é que ela vem se espalhando. Na quarta-feira 23 chegou até a Islândia, que fica a quase nove mil quilômetros de distância de Tóquio. A concentração de partículas radioativas detectadas na ilha europeia é, no entanto, menor do que a registrada no continente logo após a explosão de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. “Não há motivos para se preocupar com os níveis de radioatividade na Islândia nem em qualquer lugar da Europa”, assegurou Sigurdur Emil Palsso, do Departamento de Emergências islandês. O mesmo não ocorre nas imediações de Fukushima I, que teve um diâmetro de 20 quilômetros evacuados, ampliado para 30 quilômetros na sexta-feira 23. Pesquisadores, no entanto, já detectaram no solo a 40 quilômetros a presença de iodo-131 em patamar 430 vezes superior ao normal. No mesmo local, havia 47 vezes mais césio-137 do que o recomendável. Ambos são radioativos, mas o césio-137 preocupa mais, pois pode provocar danos por até 30 anos. O iodo-131, por sua vez, tende a perder o potencial radioativo em oito dias.
O risco de contaminação já criou uma barreira para todos os produtos que saem da região, inclusive dentro do arquipélago. No cenário internacional, os Estados Unidos foram os primeiros a proibir a importação de leite, verduras e frutas de quatro províncias próximas a Fukushima I. Medidas similares foram tomadas pela Austrália, China e por Hong Kong. O Brasil, por enquanto, mantém a posição de não adotar medidas restritivas quanto aos produtos vindos do Japão. A última remessa chegou ao País em fevereiro, antes do desastre em Fukushima I. Eram misturas e pastas para a preparação de produtos de padaria, pastelaria e da indústria da bolacha, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Enquanto o mundo tenta se proteger de uma possível contaminação, em Fukushima I continua a dramática batalha de um grupo de 180 trabalhadores para restabelecer os sistemas de refrigeração danificados pelo terremoto. Pelo menos 17 deles receberam cargas radioativas acima do admissível, mesmo em situações de emergência. Dois deles foram internados na quinta-feira 24 com queimaduras nos pés, causadas pela infiltração de água radioativa em seus equipamentos de proteção. Apesar do empenho dos trabalhadores, não há previsão quanto ao desfecho da crise. Se a usina não for estabilizada, Fukushima I corre o risco de virar outra Chernobyl. Vinte e cinco anos depois da mais grave explosão atômica da história, dentro do antigo reator encontram-se 200 toneladas de ameaçadores detritos nucleares.
SEIS DIAS PARA FAZER UMA ESTRADA
O Banco Mundial estima que o Japão levará pelo menos cinco anos para apagar as marcas do terremoto seguido por tsunami que assolou o país. A comparação entre duas imagens da estrada que liga a cidade de Naka à capital Tóquio (fotos abaixo) faz questionar se a capacidade de superação dos japoneses não está sendo subestimada pelo organismo internacional. Em apenas seis dias, um trecho de 150 metros da estrada de Naka destruído pelo terremoto surgiu completamente restaurado. Até a cerca de proteção do acostamento estava alinhada na noite de reabertura da rodovia, na quarta-feira 23. Esforços similares de reconstrução estão sendo feitos em todo o nordeste do país, paralelamente à assistência aos abrigados e à busca dos desaparecidos. Um dia antes da reabertura da estrada de Naka, a autopista Tohoku, que atravessa a região atingida pela tragédia, também havia sido reaberta. Pelas contas do governo japonês, os danos diretos do desastre natural são de US$ 310 bilhões, o mais alto já registrado na história. Diante da cifra sem precedentes, vale lembrar o passado recente. Menos de 20 anos depois das bombas atômicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki, Tóquio sediou os Jogos Olímpicos e inaugurou o trem-bala.
A Semana 3 -Cobaias com Ph.D.
As histórias dos cientistas que usam os próprios corpos para
experiências de todo tipo
Fred LealCIBORGUE
O inglês Kevin Warwick segura um dos chips que implantou em si mesmo
Alguns superpoderes provavelmente ficarão para sempre reservados às histórias em quadrinhos. Outros, como a possibilidade de enxergar sem utilizar a visão, já estão mais próximos da realidade do que podemos imaginar. Professor de cibernética da Universidade de Reading, o inglês Kevin Warwick é um dos pioneiros no uso de implantes eletrônicos. Suas pesquisas oferecem resultados impressionantes: em uma delas, o uso de sensores ultrassônicos na ponta dos dedos permite que o sujeito da experiência seja capaz de “sentir” a distância dos objetos – como em um sonar.
Suas cobaias foram seus próprios alunos, partes intrínsecas da experiência em diversos sentidos. Os jovens cientistas não teriam motivos para duvidar do professor, afinal, Warwick é um dos pioneiros em auto-experimentação cibernética. Uma de suas mais conhecidas experiências, realizada em 2002, envolveu o implante de 100 eletrodos, conectados ao seu sistema nervoso e ligados a um computador. “Precisamos lembrar que o cérebro funciona através de sinais eletroquímicos. Temos nos concentrado na parte química para a medicina, mas, no futuro, os aspectos elétricos do cérebro serão usados em diversos tipos de tratamento”, afirmou o pesquisador à ISTOÉ.
LOUCURA
Em “O Médico e o Monstro” (1941), Spencer Tracy vive o estereótipo
Com a ferramenta instalada, Warwick foi capaz de controlar uma mão robótica que nem sequer precisava estar ligada ao seu corpo. “Ela era conectada à rede junto com meu sistema nervoso; então a mão poderia estar até mesmo em outro continente”, afirma. As possibilidades são infinitas: cirurgias remotas, novas habilidades em pacientes com deficiência e até o tratamento de doenças neurodegenerativas, como as de Alzheimer e e Parkinson.
OBSESSÃO
Em “A Mosca” (1986), Jeff Goldblum transforma ciência em terror
No entanto, o uso do próprio corpo como plataforma para experiências científicas suscita questões éticas que vão além dos dilemas mais tradicionais. A decisão de enfrentar os riscos do desconhecido prova a confiança do cientista em sua teoria ou reflete o desespero por reconhecimento a qualquer preço? Segundo Warwick, “a autoexperimentação é, sem dúvida, sobre acreditar em si mesmo”. E explica: “Como um autoexperimentador, você tem a consciência de que o mundinho da ciência é supercrítico quanto ao seu trabalho, há muito ciúme por parte dos outros cientistas. Por isso é muito mais difícil.”
NOBEL
Barry Marshall ganhou o prêmio depois de servir de cobaia em sua busca pela cura da gastrite
Historicamente, o processo nem sempre foi assim e algumas das maiores descobertas da medicina contaram com importantes contribuições de gente disposta a pagar o preço da exploração científica na própria pele. A febre amarela, por exemplo, só pôde ser combatida depois que quatro médicos do Exército americano deram continuidade à pesquisa de Stubbins Ffirth (leia quadro abaixo). Liderada por Walter Reed, a equipe americana foi a Cuba na tentativa de provar que a transmissão da doença ocorria por meio da picada de mosquitos. Conseguiu, mas um de seus médicos, Jesse Lazear, pagou o preço da experiência com a própria vida.
O cientista australiano Barry Marshall também precisou apelar a medidas drásticas para ter sua pesquisa reconhecida. Defendendo que a gastrite e a úlcera não eram provocadas por estresse, mas sim por uma bactéria comum (H. pylori), Marshall decidiu beber um copo cheio da solução bacteriológica, desenvolvendo em poucos dias um severo caso de colite. Sua pesquisa foi finalmente aceita e o cientista acabou premiado com o Nobel de Medicina em 2005. “Eu achava a resposta às minhas apresentações muito ilógicas e bastante irritantes. Um dia, após apresentar meus resultados mostrando a cura da gastrite com Bismuto, o patologista-sênior do hospital afirmou que as mudanças pareciam muito sutis. Na verdade, elas eram bastante dramáticas: era a primeira vez que alguém no mundo conseguia curar a gastrite”, diz Marshall.
“Preciso obter aprovação de um comitê de ética para todas as minhas pesquisas”, explica Warwick. “E acho isso apropriado. O maior problema é quando o politicamente correto se coloca à frente dos valores éticos e científicos, e o comitê não compreende um assunto por pressão política. Claro que conclusões puramente políticas são completamente sem sentido no meio científico e, por isso, apesar de soarem bem para o mundo lá fora, nenhum cientista realmente dá ouvidos a essas coisas”, afirma o britânico. E é essa combinação de coragem, autoconfiança e um pouco de desprezo por limites que leva pesquisadores a deixar de lado a própria integridade física e reputação na busca por respostas.
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