A MENTE QUE SE ABRE A UMA NOVA IDEIA JAMAIS VOLTARÁ AO SEU TAMANHO ORIGINAL.
Albert Einstein

sábado, 16 de abril de 2011

Gödel, Einstein, Heisenberg e os engenheiros

Por José Roberto Castilho Piqueira
 
Wikimedia Commons
Em 1965 eu cursava a terceira série ginasial, depois rebatizada como sétima série do Ensino Fundamental e, atualmente, como oitavo ano. Tomar o ônibus para sair do meu delicioso bairro e ir para a região nobre assistir aulas desinteressantes soava como condenação para meus 12 anos.

Em abril, o professor Edmir Jonas Braga começou a ensinar a geometria euclidiana com uma maestria admirável. Aproveitou para mostrar-nos como ela, de fato, funcionava: conceitos primitivos, postulados, teoremas e demonstrações.

As aulas eram no período da tarde e minhas manhãs futebolísticas passaram a ser completadas com meditações solitárias na arquibancada de madeira do velho estádio. Lá, fui descobrindo os segredos da lógica.

Atravessar a cidade no ônibus cheio tornou-se uma perspectiva agradável nos dias em que havia matemática. Nessa época, percebi que talvez tivesse gosto e aptidão para as ciências exatas. Como todo jovem dos tempos da corrida espacial, pensei em ser engenheiro.

Veio o Científico (depois convertido em Colegial e, hoje, nomeado Ensino Médio), em que no primeiro ano a gente escolhia entre desenho (engenharia) e biologia (medicina). Os futuros advogados iam para o Clássico; os que sonhavam com o magistério, para o Normal.

O professor Edmir deu aulas nos três anos. Ensinou-nos trigonometria, polinômios, equações algébricas, números complexos, geometria espacial e um pouco de cálculo diferencial e integral. É assim que um jovem de exatas começa a ver seu futuro. Tudo parece seguir equações e regras lógicas. O encanto pela resolução dos problemas, para quem passa por essa experiência, é indescritível.

Entretanto, ninguém conta que os problemas que estamos resolvendo já foram resolvidos. Estamos treinando para as próximas fases da formação, em que o nível de profundidade aumenta e temos de pensar em problemas não resolvidos.

Por isso o primeiro ano de engenharia é tão duro. O nível de abstração é alto nos cálculos e nas álgebras; a concretude e as incertezas povoam o desenho, a física, a química Tecnológica e a introdução à engenharia.

É a combinação do rigor do mundo do papel com as aplicações no mundo real, em que as soluções não são únicas, podem não ser precisas e devem atender a requisitos sociais e econômicos.

Quando a maturidade chega, começamos a entender alguns pontos filosóficos. A teoria da computação mostra o teorema da incompletude de Gödel: o conjunto completo das verdades matemáticas não pode ser obtido de uma lista finita ou recursiva de axiomas.
Sempre há uma proposição que não se pode dizer se é verdadeira ou falsa, a partir de um número finito de axiomas. A primeira impressão é que a geometria e a álgebra estão destruídas.

Não é essa, porém, a consequência do trabalho de Kurt Gödel,filósofo da matemática do Círculo de Viena, nos anos de 1920, e companheiro de Einstein em Princeton, na década de 1940. Geometria e álgebra têm grande valor na resolução de inúmeros problemas. São, no entanto, limitadas pela impossibilidade de decisão, quando transformadas em algoritmos computacionais. E já que falamos de Gödel, que muito debateu as questões relativas à unificação das Teorias Quânticas e da Relatividade com Einstein, lembremos que Einstein, desde 1905, ditara limitações aos enunciados da relatividade restrita.

A velocidade da luz no vácuo é sempre a mesma, não dependendo do referencial. As leis do eletromagnetismo propostas por Maxwell estavam salvas e o conceito de onda eletromagnética delas derivado iniciou a revolução que permite ler quase instantaneamente mensagens vindas de todo o mundo.

Gödel e Einstein emigraram da Europa para os Estados Unidos, fugindo do nazismo. Werner Heisenberg ficou na Alemanha e sua participação nos ideais dos nazistas é objeto de controvérsia. Se ele os ajudou ou atrapalhou não sabemos ao certo. Mas ajudou a resolver os problemas da física do átomo ao propor o Princípio da Incerteza.

Esse princípio garante ser impossível medir posição e velocidade de uma partícula, ao mesmo tempo, com precisão absoluta. Isto é, se a medida de posição tiver alta precisão, a da velocidade não terá, e vice-versa. Medições são sempre acompanhadas de imprecisões, que não se devem nem a erros humanos, nem a instrumentos de medida.

Conviver com essas três limitações  incompletude, limite superior para velocidades dos corpos e incerteza nas medições  permitiu a miniaturização de componentes, o desenvolvimento das comunicações, a criação de algoritmos de busca, o entendimento da cosmologia e tantas outras coisas fascinantes.

Assim, Gödel, Einstein e Heisenberg estabeleceram limitações físicas e computacionais importantes para os engenheiros, aprimorando sua capacidade de conviver com incertezas num mundo que parece exato.

José Roberto Castilho Piqueira é vice-diretor da Poli-USP e diretor presidente da Sociedade Brasileira de Automática.

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