Harry: “Um homem não pode dizer que uma mulher é atraente sem isso ser uma cantada?”
Sally: “Certo, certo”.
Harry: “Que quer que eu faça? Retiro o que disse, OK? Retiro”.
Sally: “Não pode retirar”.
Harry: “Por que não?”
Sally: “Porque já foi dito”.
Harry: “O que devemos fazer? Chamar a polícia? ‘Já foi dito!’”.
Dizer “empiricamente, você é atraente” pode não ser a melhor das cantadas, mas é uma cantada. E Sally não gostou do avanço porque Harry ainda estava saindo com Amanda, sua amiga. Por mais que ele tentasse retirar o que foi dito, bem, já foi dito. Nem chamar a polícia adiantaria.
Hipoteticamente, se Harry começasse a contar que gosta de fotografia e comentasse casualmente que Sally deveria ser muito fotogênica, as situações embaraçosas que compõem toda a comédia romântica de “Harry e Sally” (1989) poderiam ser evitadas. O que leva a um paradoxo aparente: seja dizendo direta e enfaticamente que acha Sally atraente, seja comentando casualmente algo sobre a simetria do rosto de Sally ou a iluminação incidindo sobre sua pele, a informação trocada parece a rigor a mesma. E mesmo no segundo caso hipotético, tanto Sally quanto Harry saberiam da mesma forma que Harry estava passando uma cantada.
Em um fabuloso RSAnimate, uma série de animações da RSA, Steven Pinker explica como o paradoxo se relaciona com os conceitos de conhecimento individual e mútuo usados na Teoria de Jogos.
Conhecimento individual é você saber que Steven Pinker é um fabuloso divulgador de ciência. Conhecimento individual também é que eu, por uma feliz coincidência, também saiba que Pinker é um fabuloso divulgador de ciência. Mas agora que você leu estas linhas, você sabe que eu sei, e eu sei que você sabe, que Pinker é um fabuloso divulgador de ciência. É agora um conhecimento mútuo. E ele pode fazer toda a diferença.
Como Pinker nota, quando toda uma população questiona a autoridade de um ditador, mas dentro de suas casas, há algo como conhecimento individual de que o ditador não poderia se manter no poder. Quando toda a população sai às ruas, a (im)popularidade do ditador pode permanecer a mesma, mas agora todos podem se ver e reconhecer mutuamente seu descontentamento coletivo. Na história da Roupa Nova do Rei, todos sabiam, todos podiam ver que o Rei estava nu, mas foi necessária uma criança declarar em voz alta o que todos sabiam, mas ninguém compartilhava, para que o Rei finalmente se descobrisse nu. Da insatisfação à revolução, é necessário um reconhecimento mútuo, compartilhado.
O que nem sempre é desejável, como mostram Harry e Sally, e como Pinker explica o paradoxo aparente da diferença entre uma cantada direta e uma indireta. Por que uma pode ofender e outra não?
Porque uma cantada direta faz com que Harry e Sally saibam claramente que Harry está interessado em Sally. Não há como retirar, não há como negar. “It’s out there”, já foi dito. É um conhecimento mútuo.
Mas uma indireta permitiria “manter a ficção de amizade”. Harry pode fingir que Sally não entendeu sua indireta, e Sally pode fingir que Harry realmente gosta muito de fotografia. Enquanto não surgir um menino para dizer em voz alta que Harry está a fim de Sally, ambos podem fingir que não há nenhuma tensão nessa amizade quase colorida.
Se você sabe que eu sei que você sabe, você leu o texto publicado aqui no final do mês passado que, por serendipidade, lidava basicamente com a mesma questão de conhecimento mútuo na Teoria de Jogos através da fábula das crianças prodígios de lógica com lama na testa. Com uma diferença.
Naquele texto iniciei com uma citação da série de ficção científica (?) V – A Invasão (1983), onde um alienígena reptiliano comenta como:
“Esses terráqueos são estúpidos. Isso os torna imprevisíveis”.
Uma simples cantada revela que em nossas relações sociais, e especialmente nossas relações afetivas, somos prodígios de lógica lidando imediatamente com as nuances entre o que sabemos, o que sabemos que a outra pessoa sabe, e o que sabemos que a outra sabe que sabemos.
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