A MENTE QUE SE ABRE A UMA NOVA IDEIA JAMAIS VOLTARÁ AO SEU TAMANHO ORIGINAL.
Albert Einstein

terça-feira, 21 de junho de 2011

Mérito e Privilégio


Mérito e Privilégio   duvida razoavel vestibular universidade polêmica
Um dos argumentos contra o uso de cotas nos exames de ingresso para Universidade é o de que as cotas vão contra o princípio da meritocracia. A meritocracia tem muitos defensores na Universidade. A lógica é simples: dá-se mais aos que merecem mais. Se você tem mais méritos acadêmicos, você merece cargos melhores, salários maiores, espaços melhores. No caso das cotas, só mereceria entrar na Universidade quem teve as melhores notas.
A meritocracia é um conceito atraente pois apela ao nosso senso de justiça. O problema é que não podemos falar de meritocracia na Universidade brasileira pois a meritocracia pressupõe que condições iguais foram dadas a todos os que participam da “competição”. E isso não é verdade.
Muitos podem argumentar que os alunos entram na Universidade em branco e que os que se destacam se destacam apenas por méritos. Isso também não é verdade. Vou usar a minha vida como exemplo para evitar injustiças. Eu sempre estudei nas melhores escolas particulares de São Paulo. Quando tive dificuldades na escola, minha mãe me inscreveu em um curso de inglês, que cursei por 6 anos. Tive oportunidade de sair do país um punhado de vezes e sempre tive os livros que quis. Tudo isso me deixou em um patamar à frente de muitos colegas quando entrei na faculdade. Enquanto eles se estapeavam por livros traduzidos na biblioteca, eu ia direto à fonte porque meu inglês era razoavelmente bom. Enquanto colegas ficavam 3 a 4 horas presos em ônibus, eu podia usar este tempo na biblioteca porque tinha um carro. Enquanto meus colegas sofriam em entender física, química e matemática (somos biólogos, afinal), eu passava fácil nestes cursos por causa da minha formação sólida no Ensino Médio. Enquanto meus colegas sofriam aprendendo Word, Excel, etc. (éramos de uma turma pré-informática), eu já sabia usar estas ferramentas porque tinha computadores em casa desde pequeno. Todas estas vantagens, e foram vantagens gigantescas, foram adquiridas sem uma gota de mérito meu, só por privilégio. Portanto, se tive um desempenho melhor do que muitos colegas, é justo dizer que foi só por mérito?

Isso porque não estou considerando o que os meus privilégios e meus méritos me deram de vantagem ao entrar na USP (e isso seria igual em qualquer Universidade Pública): quantos tiveram acesso a bibliotecas com os melhores livros e periódicos, acesso à banda larga quando a Internet era desconhecida, acesso aos melhores equipamentos, melhores laboratórios, melhores oportunidades?  

O pior é que é um ciclo vicioso: meus privilégios amplificam meus méritos que me abrem mais privilégios que me possibilitam mais méritos e assim por diante. E o abismo em relação a muitos colegas só aumenta. O problema é que muitos só enxergam a parte do mérito, como se eu fosse igual aos meus colegas quando entrei. Não era, eu era um dos mais privilegiados.

Voltando às cotas, quando usamos o argumento da meritocracia contra esta política estamos nos focando nos méritos e nos esquecendo dos privilégios. A média dos privilégios dos que entram na Universidade pelo processo seletivo sem cotas é muito maior do que a média dos privilégios dos que entram por cotas. É justo falarmos em meritocracia? Estatisticamente falando, cada privilégio - escola particular, viagem ao exterior, escola de língua, etc. - dá uma vantagem maior no exame de ingresso, será que as cotas não ajudam a equalizar um pouco esta diferença de privilégios? Muitas vezes ser cotista é o único privilégio que um vestibulando teve em toda sua vida contra vestibulandos que foram privilegiados em cada aspecto de suas vidas! Será que a existência das cotas não estão permitindo uma real meritocracia? Obviamente as cotas não resolvem os problemas da disparidade de privilégio e muitas outras políticas são necessárias (cursos para recuperação da defasagem, bolsas, cursos de idiomas gratuitos, etc.), o que talvez explique porque algumas Universidades detectem diferenças negativas entre alunos cotistas e os demais e outras não detectem diferenças ou até detectem diferenças positivas.

O que quero dizer, enfim, é que as disparidades econômicas em nosso país são tão grandes que é até ridículo falar em meritocracia nos exames de ingresso à Universidade. Sem contar que a disputa nestes exames é tão acirrada que uma diferença de 10, 15, 20% nas notas não reflete de forma alguma na capacidade destes alunos de se tornaremm bons profissionais. Ainda mais porque nem todas as habilidades (arriscaria em dizer quase nenhuma) determinantes para se tornar um bom profissional são medidas pelos exames de ingresso! Portanto, agradeço quando falam de meus méritos para exaltar as minhas conquistas mas, de forma alguma, se esqueçam de meus privilégios e de como eles deixaram a minha trajetória muito mas muito mais fácil do que para muitos

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