Todos estivemos ligados no resgate dos 33 mineiros que ficaram presos na Mina San Jose, no norte do Chile, desde 5 de agosto, a quase 700 m de profundidade. O resgate terminou com sucesso nesta noite de quarta-feira, 13 de outubro.
O transporte dos mineiros até a superfície foi feito pela cápsula Fênix especialmente desenhada pela Marinha Chilena. Confira abaixo os esquemas originais fornecidos pelos projetistas.
Vista lateral da cápsula, aberta e fechada
Nas figuras acima vemos apenas o habitáculo, parte da cápsula feita para acomodar com segurança um a um dos mineiros a serem resgatados bem como os socorristas que desceram na mina. A cápsula inteira tinha 4,5 m de comprimento, 53 cm de diâmetro interno (58 cm de diâmetro externo) e massa de 460 kg. Ela foi projetada para subir e descer por um túnel de 66 centímetros de diâmetro e 622 metros de extensão. Os primeiros 100 metros do túnel foram revestidos com tubos de metal para evitar desmoronamento e garantir maior segurança na operação. A cápsula tinha rodinhas encaixadas nas laterais externas com amortecedores (molas) para minimizar o impacto e o atrito com as paredes do túnel evitando movimentos bruscos que pudessem ferir os ocupantes. Havia ainda reservas de oxigênio caso a cápsula ficasse parada no meio do caminho por algum problema. Tinha ainda comunicação por rádio, monitoramento das funções vitais dos resgatados, e câmera interna. É bom que se diga que o projeto foi muito bem pensado e executado, tanto que o resgate, apesar de extenso, ocorreu com muito tranquilidade.
Acompanhando pela TV, com repórteres e âncoras que ficavam narrando tudo o tempo todo, deu para "pegar" muitas falhas de conceitos fundamentais de Física que, mal tratados, nos remetem às ideias aristotélicas equivocadas a respeito de como o mundo funciona, coisa de muito antes de Isaac Newton e Galileu Galilei! Incrível!
Para citar apenas um exemplo, uma apresentadora comparou a velocidade da descida da cápsula sem ninguém dentro, ainda na fase de testes, com a velocidade de descida com o primeiro socorrista a bordo. Ela achou, sem ter como fazer medidas rigorosas, apenas no "olhômetro", que a velocidade de descida com o socorrista dentro estava maior. E disse "... claro que agora está mais rápido pois está mais pesado com o homem lá dentro".
Mesmo que fosse numa queda livre, com velocidades baixas, ou seja, em situação em que o atrito com o ar é desprezível, a aceleração (taxa de aumento da velocidade no tempo) não dependeria da massa (ou peso) do corpo. Portanto, o aumento de velocidade da cápsula com ou sem ocupante seria idêntico. No caso, para piorar o equívoco da jornalista, a cápsula estava amarrada num cabo que passava por polias (roldanas) e estava preso a um guindaste, com motor próprio, que assim controlava a velocidade de descida. Infelizmente, a comentarista/apresentadora, sem querer, judiou da Física. E mostrou que é aristotélica de carteirinha! Infelizmente, em pleno século 21, ela não está sozinha!
E foi por isso que resolvi escrever este post. A ideia é tentar criar um modelo fisicamente aceitável com base nos conceitos da boa mecânica newtoniana para o que observamos durante o resgate no Chile. Então vamos lá.
:: Velocidade Média da Cápsula
Os 622 m do túnel foram percorridos, em média, a cada 15 minutos. Às vezes um pouco mais, noutras um pouco menos. Mas sempre nesta média. Assim podemos estimar a velocidade média da cápsula em:
Note que, por segurança, a velocidade era bem baixa. Uma pessoa caminhando desenvolve, tranquilamente, pelo menos o dobro desta velocidade.
:: Forças envolvidas (na subida)
O equipamento (guindaste), mostrado na foto real logo acima, apesar de robusto, era relativamente simples, e está esquematizado abaixo (fora de escala).
Note que um cabo passava por uma polia (roldana) bem grande e descia preso à cápsula. A polia, fixa, só altera a direção/sentido da força de tração T no cabo. A intensidade de T não muda com a ação da polia fixa e supostamente bem lubrificada.
O túnel tinha uma inclinação de pouco mais de 10o. Nestas condições, podemos dizer que sobre a cápsula atuavam as seguintes forças:
T: tração no cabo de aço ligado ao guindaste (sempre na direção do fio, que acompanha a inclinação do túnel)
P: peso da cápsula, ou seja, a atração gravitacional que a Terra exerce sobre a cápsula (sempre na direção vertical)
N: componente normal da força de contato entre a cápsula e a parede (sempre na direção perpendicular às paredes do túnel)
A: componente paralelo das força de contato entre a cápsula e a parede e que costumamos chamar de atrito (sempre na direção paralela às paredes do túnel)
A figura abaixo mostra os vetores que correspondem às forças acima citadas.
IMPORTANTE:
I) O atrito A foi representado para baixo pois a figura acima ilustra a situação de subida da cápsula. Na descida o atrito A deve ser representado para cima pois é sempre contra a esfregação das duas superfícies (no caso das rodinhas laterais da cápsula e das paredes do túnel). O ângulo θ mostrado na figura corresponde à inclinação do túnel.
II) Podemos dizer que a cápsula subia (e descia) ligeiramente apoiada na parede inferior do túnel pois este era inclinado. Isso justifica o aparecimento do componente N da força de contato e também do componente de atrito A. Se o tubo fosse perfeitamente vertical, a cápsula poderia subir e descer apenas pela ação das forças de tração (T) e do peso (P) supondo, idealmente, que não tocasse nas paredes do túnel em momento algum.
Para encontrarmos a força resultante R (soma vetorial de todas as forças que atuam na cápsula), fica mais fácil fazermos antes a decomposição (ou projeção ortogonal) do peso (P):
A figura acima mostra P' e P'', componentes ortogonais de P. P' é o componente normal da força P enquanto que P'' é o componente paralelo. Note que P, P' e P'' formam um triângulo retângulo. Isso está mostrado na figura abaixo e facilita bastante o tratamento geométrico do problema.
Podemos facilmente encontrar P' e P'' em função de P:
Sobre a cápsula, resumindo, temos os seguintes vetores força atuando (já com a decomposição do peso que não mais será representado):
Na direção perpendicular à parede, N e P' se equilibram, ou seja, anulam-se. Assim:
A força resultante R, pelo Princípio Fundamental da Dinâmica (também conhecido como segunda Lei de Newton), é R = m.a (onde m é a massa do corpo e a a sua aceleração). A resultante R deve estar na direção do eixo central do túnel, que é a direção do movimento. Nesta direção a tração T compete com o componente P'' mais o atrito A. Assim:
Sabemos que o atrito A depende do componente normal N tal que A = μ.N onde μ é o coeficiente de atrito e N = P' encontrado acima em função de P e do ângulo θ. O componente P'' também foi explicitado acima em função de P e de θ. Ficamos com a seguinte equação:
de P = mg.
Logo, para tirar a cápsula do repouso, com um mineiro dentro, o guindaste deve fazer uma força T para produzir uma aceleração a para cima, , dada por:
Note que a massa m "do corpo" acima citada deve levar em conta a massa total do sistema, ou seja, a massa da cápsula (mC) mais a massa (mH) do homem que vai dentro dela. Assim:
Depois que a cápsula atinge uma velocidade desejada, a aceleração a passa a ser zero.
Achou estranho? Mas não é. Pense comigo: a cápsula deve subir acelerando o tempo todo? Claro que não, não é mesmo! Como num elevador, a cápsula acelera só até atingir a velocidade desejada para a subida. Quando chega nesta velocidade, a resultante R das forças se anula (R = 0). Neste caso teremos:
Neste ponto, muita gente acha mais estranho ainda que a cápsula possa subir com força resultante nula! Mas não há nada de estranho nisso. E é exatamente aí que Aristóteles tropeça! Precisamos de força resultante não nula apenas para tirar a cápsula do repouso. Depois que ela "pega embalo", adquire velocidade, continua a subir por inércia, ou seja, mantém MRU (movimento retilíneo e uniforme) com R = 0. Dá para entender a ideia?
Se a resultante para cima for diferente de zero, a cápsula sobe, mas ganhando cada vez mais velocidade, o que seria perigoso para a segurança do resgate, concorda? Então deve ficar bem claro que foi necessária uma força resultante não nula só no começo da subida, para vencer a inércia e tirar a cápsula (com o mineiro dentro) do repouso. A maior parte da subida é feita com velocidade constante. Certo?
E no finalzinho da subida, para parar a cápsula na superfície do planeta, o truque é invertido, ou seja, a força resultante tem que ser diferente de zero e para baixo, contra o movimento, para desacelerar a cápsula. O guindaste diminui a força de tração T que fica menor do que a soma A + P''. Assim a velocidade da cápsula cai gradativamente para zero.
Um gráfico de velocidade em função do tempo compatível com o resgate dos mineiros pode ser visto na figura abaixo, propositalmente fora de escala porque os períodos de aceleração (início do movimento) e desaceleração (fim do movimento) são muito menores do que o período de MRU (com velocidade constante). A velocidade cresce de zero até um valor máximo V, se mantém constante, e depois se anula. Outro gráfico interessante é o da intensidade da força de tração T durante a subida em função do tempo. Para iniciar o movimento a tração será máxima (Tmáx > P'' + A). Para manter o movimento uniforme ela é constante (T = P'' + A). E para desacelerar a cápsula, ao final da subida, a tração será mínima (Tmin < P'' + A). Confira os dois gráficos logo abaixo.
Fique atento(a)! Estude. Sem "decoreba", sempre entendendo a Física ligada ao seu mundo, à sua vida, aos acontecimentos mais corriqueiros. Afinal, Física tem a ver com tudo! Certo?
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Muito Legal seu Post. Kleber!
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