A MENTE QUE SE ABRE A UMA NOVA IDEIA JAMAIS VOLTARÁ AO SEU TAMANHO ORIGINAL.
Albert Einstein

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

::: A mecânica por trás do resgatedos dos mineiros no chile :::


Senhores, hoje é segunda - feira e dia da postagem do Prof. Dulcidio Braz Júnior. Vamos ao tema bastante debatido na semana passada. 


                                                               
Todos estivemos ligados no resgate dos 33 mineiros que ficaram presos na Mina San Jose, no norte do Chile, desde 5 de agosto, a quase 700 m de profundidade. O resgate terminou com sucesso nesta noite de quarta-feira, 13 de outubro.

O transporte dos mineiros até a superfície foi feito pela cápsula Fênix especialmente desenhada pela Marinha Chilena. Confira abaixo os esquemas originais fornecidos pelos projetistas.


   Vista lateral da cápsula, aberta e fechada


                                                                                            
Nas figuras acima vemos apenas o habitáculo, parte da cápsula feita para acomodar com segurança um a um dos mineiros a serem resgatados bem como os socorristas que desceram na mina. A cápsula inteira tinha 4,5 m de comprimento, 53 cm de diâmetro interno (58 cm de diâmetro externo) e massa de 460 kg. Ela foi projetada para subir e descer por um túnel de 66 centímetros de diâmetro e 622 metros de extensão. Os primeiros 100 metros do túnel foram revestidos com tubos de metal para evitar desmoronamento e garantir maior segurança na operação. A cápsula tinha rodinhas encaixadas nas laterais externas com amortecedores (molas) para minimizar o impacto e o atrito com as paredes do túnel evitando movimentos bruscos que pudessem ferir os ocupantes. Havia ainda reservas de oxigênio caso a cápsula ficasse parada no meio do caminho por algum problema. Tinha ainda comunicação por rádio, monitoramento das funções vitais dos resgatados, e câmera interna. É bom que se diga que o projeto foi muito bem pensado e executado, tanto que o resgate, apesar de extenso, ocorreu com muito tranquilidade.

Acompanhando pela TV, com repórteres e âncoras que ficavam narrando tudo o tempo todo, deu para "pegar" muitas falhas de conceitos fundamentais de Física que, mal tratados, nos remetem às ideias aristotélicas equivocadas a respeito de como o mundo funciona, coisa de muito antes de Isaac Newton e Galileu Galilei! Incrível!

Para citar apenas um exemplo, uma apresentadora comparou a velocidade da descida da cápsula sem ninguém dentro, ainda na fase de testes, com a velocidade de descida com o primeiro socorrista a bordo. Ela achou, sem ter como fazer medidas rigorosas, apenas no "olhômetro", que a velocidade de descida com o socorrista dentro estava maior. E disse "... claro que agora está mais rápido pois está mais pesado com o homem lá dentro".

Mesmo que fosse numa queda livre, com velocidades baixas, ou seja, em situação em que o atrito com o ar é desprezível, a aceleração (taxa de aumento da velocidade no tempo) não dependeria da massa (ou peso) do corpo. Portanto, o aumento de velocidade da cápsula com ou sem ocupante seria idêntico. No caso, para piorar o equívoco da jornalista, a cápsula estava amarrada num cabo que passava por polias (roldanas) e estava preso a um guindaste, com motor próprio, que assim controlava a velocidade de descida. Infelizmente, a comentarista/apresentadora, sem querer, judiou da Física. E mostrou que é aristotélica de carteirinha! Infelizmente, em pleno século 21, ela não está sozinha!

E foi por isso que resolvi escrever este post. A ideia é tentar criar um modelo fisicamente aceitável com base nos conceitos da boa mecânica newtoniana para o que observamos durante o resgate no Chile. Então vamos lá.

:: Velocidade Média da Cápsula

Os 622 m do túnel foram percorridos, em média, a cada 15 minutos. Às vezes um pouco mais, noutras um pouco menos. Mas sempre nesta média. Assim podemos estimar a velocidade média da cápsula em:



Note que, por segurança, a velocidade era bem baixa. Uma pessoa caminhando desenvolve, tranquilamente, pelo menos o dobro desta velocidade.

:: Forças envolvidas (na subida)

O equipamento (guindaste), mostrado na foto real logo acima, apesar de robusto, era relativamente simples, e está esquematizado abaixo (fora de escala).



Note que um cabo passava por uma polia (roldana) bem grande e descia preso à cápsula. A polia, fixa, só altera a direção/sentido da força de tração T no cabo. A intensidade de T não muda com a ação da polia fixa e supostamente bem lubrificada.

O túnel tinha uma inclinação de pouco mais de 10o. Nestas condições, podemos dizer que sobre a cápsula atuavam as seguintes forças:

T: tração no cabo de aço ligado ao guindaste (sempre na direção do fio, que acompanha a inclinação do túnel)
P: peso da cápsula, ou seja, a atração gravitacional que a Terra exerce sobre a cápsula (sempre na direção vertical)
N: componente normal da força de contato entre a cápsula e a parede (sempre na direção perpendicular às paredes do túnel)
A: componente paralelo das força de contato entre a cápsula e a parede e que costumamos chamar de atrito (sempre na direção paralela às paredes do túnel)

A  figura abaixo mostra os vetores que correspondem às forças acima citadas.



IMPORTANTE:

I) O atrito A foi representado para baixo pois a figura acima ilustra a situação de subida da cápsula. Na descida o atrito A deve ser representado para cima pois é sempre contra a esfregação das duas superfícies (no caso das rodinhas laterais da cápsula e das paredes do túnel). O ângulo θ mostrado na figura corresponde à inclinação do túnel.

II) Podemos dizer que a cápsula subia (e descia) ligeiramente apoiada na parede inferior do túnel pois este era inclinado. Isso justifica o aparecimento do componente N da força de contato e também do componente de atrito A. Se o tubo fosse perfeitamente vertical, a cápsula poderia subir e descer apenas pela ação das forças de tração (T) e do peso (P) supondo, idealmente, que não tocasse nas paredes do túnel em momento algum.

Para encontrarmos a força resultante R (soma vetorial de todas as forças que atuam na cápsula), fica mais fácil fazermos antes a decomposição (ou projeção ortogonal) do peso (P):



A figura acima mostra P' e P'', componentes ortogonais de P. P' é o componente normal da força P enquanto que P'' é o componente paralelo. Note que P, P' e P'' formam um triângulo retângulo. Isso está mostrado na figura abaixo e facilita bastante o tratamento geométrico do problema.


Podemos facilmente encontrar P' e P'' em função de P:

Sobre a cápsula, resumindo, temos os seguintes vetores força atuando (já com a decomposição do peso que não mais será representado):


Na direção perpendicular à parede, N e P' se equilibram, ou seja, anulam-se. Assim:


A força resultante R, pelo Princípio Fundamental da Dinâmica (também conhecido como segunda Lei de Newton), é R = m.a (onde m é a massa do corpo e a a sua aceleração). A resultante R deve estar na direção do eixo central do túnel, que é a direção do movimento. Nesta direção a tração T compete com o componente P'' mais o atrito A. Assim:


Sabemos que o atrito A depende do componente normal N tal que A = μ.N onde μ é o coeficiente de atrito e N = P' encontrado acima em função de P e do ângulo θ. O componente P'' também foi explicitado acima em função de P e de θ. Ficamos com a seguinte equação:


de P = mg.

Logo, para tirar a cápsula do repouso, com um mineiro dentro, o guindaste deve fazer uma força T para produzir uma aceleração a para cima, , dada por:


Note que a massa m "do corpo" acima citada deve levar em conta a massa total do sistema, ou seja, a massa da cápsula (mC) mais a massa (mH) do homem que vai dentro dela. Assim:



Depois que a cápsula atinge uma velocidade desejada, a aceleração a passa a ser zero.

Achou estranho? Mas não é. Pense comigo: a cápsula deve subir acelerando o tempo todo? Claro que não, não é mesmo! Como num elevador, a cápsula acelera só até atingir a velocidade desejada para a subida. Quando chega nesta velocidade, a resultante R das forças se anula (R = 0). Neste caso teremos:



Neste ponto, muita gente acha mais estranho ainda que a cápsula possa subir com força resultante nula! Mas não há nada de estranho nisso. E é exatamente aí que Aristóteles tropeça! Precisamos de força resultante não nula apenas para tirar a cápsula do repouso. Depois que ela "pega embalo", adquire velocidade, continua a subir por inércia, ou seja, mantém MRU (movimento retilíneo e uniforme) com R = 0. Dá para entender a ideia?

Se a resultante para cima for diferente de zero, a cápsula sobe, mas ganhando cada vez mais velocidade, o que seria perigoso para a segurança do resgate, concorda? Então deve ficar bem claro que foi necessária uma força resultante não nula só no começo da subida, para vencer a inércia e tirar a cápsula (com o mineiro dentro) do repouso. A maior parte da subida é feita com velocidade constante. Certo?

E no finalzinho da subida, para parar a cápsula na superfície do planeta, o truque é invertido, ou seja, a força resultante tem que ser diferente de zero e para baixo, contra o movimento, para desacelerar a cápsula. O guindaste diminui a força de tração T que fica menor do que a soma A + P''. Assim a velocidade da cápsula cai gradativamente para zero.

Um gráfico de velocidade em função do tempo compatível com o resgate dos mineiros pode ser visto na figura abaixo, propositalmente fora de escala porque os períodos de aceleração (início do movimento) e desaceleração (fim do movimento) são muito menores do que o período de MRU (com velocidade constante). A velocidade cresce de zero até um valor máximo V, se mantém constante, e depois se anula. Outro gráfico interessante é o da intensidade da força de tração T durante a subida em função do tempo. Para iniciar o movimento a tração será máxima (Tmáx > P'' + A). Para manter o movimento uniforme ela é constante (T = P'' + A). E para desacelerar a cápsula, ao final da subida, a tração será mínima (Tmin < P'' + A). Confira os dois gráficos logo abaixo.




Fique atento(a)! Estude. Sem "decoreba", sempre entendendo a Física ligada ao seu mundo, à sua vida, aos acontecimentos mais corriqueiros. Afinal, Física tem a ver com tudo! Certo?

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