Estudo sobre a hibernação do animal pode ajudar o homem a
fazer longas viagens espaciais e criar novos tratamentos médicos
André JuliãoSONECA
Hibernar como o urso pode viabilizar longas viagens
espaciais, como no filme “2001: Uma Odisseia no Espaço”
Os ursos podem nos levar para planetas distantes. A inusitada conclusão é de um estudo publicado na mais recente edição da prestigiada revista especializada “Science”. Cientistas descobriram que, durante a hibernação, o urso preto americano pode reduzir seu metabolismo em até 25% com uma pequena queda da temperatura corporal. O estudo pode ser o caminho para que possamos imitar esse processo com a ajuda de drogas e, quem sabe, suportar viagens espaciais mais longas. Essa é a realidade do filme “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, em que os astronautas dormem por anos até chegar ao seu destino. Além disso, a pesquisa pode ajudar no desenvolvimento de novos tratamentos médicos.
O resultado do estudo é inesperado porque, normalmente, os processos químicos e biológicos de um organismo se tornam cerca de 50% mais lentos para cada 10°C a menos na temperatura corporal. Os ursos pretos conseguem reduzir o metabolismo a níveis muito parecidos, mas com uma queda de meros 5,5°C. Eles passam até sete meses hibernando dentro de cavernas sem comer, beber, urinar ou defecar. Mesmo depois de acordar, seu corpo segue funcionando lentamente por semanas.
“Médicos já podem reduzir a temperatura corporal de vítimas de derrame ou ataque cardíaco para desacelerar seu metabolismo e prevenir novos danos”, disse à ISTOÉ Øivind Tøien, pesquisador da Universidade do Alasca (EUA) e líder do estudo. “Porém, existem complicações associadas à técnica, principalmente se a temperatura for reduzida a menos de 30°C.” Segundo o cientista, uma droga que reproduza em humanos o que acontece com os ursos poderá reduzir tais efeitos negativos.
O mesmo poderia ocorrer durante longas viagens espaciais, em que a capacidade de carregar suprimentos dos veículos é limitada. Tøien diz que essas são as mesmas condições que levam os ursos a hibernar. “Há pouca comida durante o inverno e eles precisam economizar energia”, diz. “Causar esse efeito em humanos pode ajudar a ir a outros planetas e além.” E pensar que a viagem pode começar com alguns ursos dorminhocos.
A semana 2 - Uma fábrica na sua mesa
Impressoras 3D ficam mais baratas e consolidam a era do "faça-
você-mesmo" digital
Hélio GomesAssista a vídeo que mostra como o equipamento produz objetos de todo tipo :
A coisa toda é muito simples. Primeiro, pegue aquela caneca de estimação, que você guarda com carinho na prateleira mais alta do armário da cozinha, e coloque-a em seu scanner 3D. Depois de digitalizar o objeto e checar sua imagem tridimensional no monitor do computador, simplesmente aperte “print”. Alguns minutos depois, você terá em suas mãos uma réplica perfeita e em tamanho real, feita de cerâmica, plástico ou metal.
A tecnologia por trás do processo, batizada de prototipagem rápida no início da década passada, baseia-se na sobreposição de camadas finíssimas de matéria-prima em pó, solidificadas com a aplicação de compostos líquidos ou lasers (leia o quadro Como funciona). Essa tecnologia inaugura a era da customização total e ainda abre possibilidades que estão mudando a forma como as grandes indústrias administram suas cadeias produtivas. Mais: mentes inquietas, como as de artistas e inventores, podem dar forma às suas novas ideias instantaneamente. Praticamente não há limites para a inovação no design, por exemplo.
A queda nos preços das impressoras 3D e a sua consequente penetração junto a consumidores comuns são as principais razões que movem a nova onda do “faça-você-mesmo” digital, mas não são as únicas. A revista britânica “The Economist”, uma das mais respeitadas do mundo, dedicou a capa da sua mais recente edição ao tema. De acordo com a análise da publicação, a tecnologia tem dois efeitos profundos.
PASSO A PASSO
As fotos detalham o processo de fabricação da caixa externa de
uma câmera de vídeo portátil em uma impressora 3D
O primeiro está no setor industrial, que já se beneficia com a redução dos custos de desenvolvimento de protótipos e do desperdício de matéria-prima. Em vez de usar fornos fumegantes para fabricar as peças de titânio de seus aviões, a Boeing, por exemplo, já conta com a ajuda de impressoras 3D de grande porte – que podem custar até US$ 1 milhão – para criá-las sob medida. Já a fabricante de calçados Timberland mudou de vez a forma como cria seus modelos. Se antes ela gastava perto de US$ 1.200 e esperava uma semana pela confecção do protótipo de uma nova sola de sapato, hoje ela investe US$ 35 e uma hora e meia de trabalho para chegar ao mesmo resultado.
Mas o melhor da história está do outro lado do balcão, já que o modo como adquirimos objetos como peças de decoração, brinquedos e até mesmo aparelhos eletrônicos (vide a câmera de vídeo que ilustra esta página) deve mudar sensivelmente. Há quem aposte que em breve poderemos ter a opção de pagar pelo download dos arquivos tridimensionais desses produtos, que ganharão forma em impressoras 3D caseiras. Hoje, o modelo mais barato à venda nos Estados Unidos custa
US$ 5 mil, o mesmo preço de uma impressora de jato de tinta em meados dos anos 80. “Essa tendência já é uma realidade”, diz Cecília Amélia Zavaglia, pesquisadora e professora de engenharia mecânica da Unicamp.
Uma das responsáveis pelo laboratório da universidade equipado com impressoras 3D, Cecília conta que trabalha com a tecnologia há cerca de dez anos. Testemunha ocular da evolução dos equipamentos, ela se especializou na fabricação de próteses médicas e odontológicas. “Atuamos com a faculdade de medicina e fornecemos peças que reproduzem ossos delicados, como os da face”, diz a professora.
Infelizmente, um aspecto sombrio desta história já preocupa. Assim como a troca de arquivos em MP3 praticamente acabou com a indústria fonográfica, as impressoras 3D podem inaugurar uma era de pirataria desenfreada de objetos de todo tipo – e preço. Cópias podem começar a pipocar por todo o planeta sem que seus criadores recebam um centavo por elas. Caso isso ocorra, cabe lembrar que o bom-senso, algo raro no terreno praticamente sem lei da internet, deve reger o comportamento do consumidor. Com tantas possibilidades à mão, valerá muito mais a pena deixar a criatividade aflorar em frente ao computador.
Tá com sede?
Colunista da semana - A legião Estrangeira
Lembranças de meu avô, um cabo da Legião Estrangeira
PETER MOON
Peter Moon
O repórter especial de ÉPOCA vive No mundo da Lua, um espaço onde dá vazão ao seu fascínio por aventura, cultura, ciência e tecnologia.
petermoon@edglobo.com.br
O repórter especial de ÉPOCA vive No mundo da Lua, um espaço onde dá vazão ao seu fascínio por aventura, cultura, ciência e tecnologia.
petermoon@edglobo.com.br
A Legião foi idealizada como uma tropa de assalto, a primeira a entrar em combate e a última a sair dele. Assim, não foi por acaso que, em seus 180 anos de existência, a Legião teEu tinha um grande sonho na infância. Ao completar 18 anos, embarcaria num navio cargueiro no porto de Santos para seguir até Marselha, na França. Tinha que ser um navio. Jamais idealizei esta viagem feita de avião. Foi de navio que meus avós vieram ao Brasil. Seria assim que eu faria o caminho de volta à Europa. A travessia teria um único propósito: alistar-me na Legião Estrangeira. Eu seria um legionário como o vovô Júlio.
Lassu Gyulo nasceu em Budapeste em 1910. Aos 18 anos, imigrou para a França. No ano seguinte, 1929, a Bolsa de Valores de Nova York quebrou, e o mundo mergulhou na grande depressão. Gyulo, ou Júlio, se viu no olho da rua. Sem trabalho nem dinheiro, chegou a passar fome, como me contou décadas depois. Para poder comer, em 1930 ele se alistou na Legião.
A Legião é uma tropa de elite do exército francês. Foi criada em 1831 pelo rei Luís Felipe como forma de retirar das ruas os milhares de arruaceiros e criminosos que vinham de toda a Europa para se instalar em Paris. Àqueles que não quisessem ir para a cadeia, ou enfrentar a guilhotina, era colocada a oportunidade de servir a França na Legião, defendendo suas colônias na África, Indochina e América Central.nha sido repetidamente a unidade do exército francês com o maior número proporcional de baixas, entre mortos e feridos. Na Guerra da Indochina (1946-1954), por exemplo, dos 70 mil legionários que lá combateram, 11 mil morreram.
Uma ilustração do romance Beau Geste (1926), de P.C. Wren, e desenho de um legionário em 1852
Não foram poucas as vezes em que a ordem de lutar até o último homem foi levada a cabo. A primeira delas foi na batalha de Camarón, na fracassada tentativa francesa de dominar o México, em 1863. Em 30 de abril, o tenente D'Anjou e 64 legionários foram cercados por 2.000 mexicanos. A luta começou às 7 da manhã e prosseguiu todo o dia. Eram 6 da tarde quando o último cartucho foi disparado. Só restavam cinco legionários vivos. Reza a tradição que os cinco homens calaram as baionetas nos fuzis, pularam das trincheiras e investiram contra o inimigo. Diante deste ato de bravura, o comandante mexicano ordenou que suas vidas fossem poupadas. Os outros 60, incluindo D'Anjou, serviram de bucha para canhão.
O alistamento
Não há conscritos entre os legionários. Ninguém é convocado. Todos são voluntários. Até a década de 1930, os oficiais do alistamento nada perguntavam sobre a vida pregressa do recruta. Também não era exigido qualquer tipo de identidade. Bastava a palavra. “Um amigo meu se chamava Pot de vin”, disse certa vez meu avô. ‘Pot de vin’, como vim a descobrir, é uma gíria em francês para a palavra suborno. “Foi o nome que ele deu ao se alistar. Era assim que nós o chamávamos”.
Os irmãos Geste: Ray Milland, Gary Cooper e Robert Preston (da esq. para a dir.), no filme Beau Geste (1939)
você dissesse que seu nome era João da Silva, João da Silva você seria pelos cinco anos seguintes. Este era, e continua sendo, o tempo mínimo de alistamento, um período longo ao término do qual o legionário ganha o direito à cidadania francesa.
O fato de a Legião ter servido de porto-seguro a criminosos e foragidos da Justiça inspirou romances como Beau Geste (1926), a história do aristocrata inglês que assume a culpa por um crime que não cometera para salvar as aparências da família. Para não ser preso, Michael "Beau" Geste busca refúgio na Legião, onde é vítima de um sargento sádico. Beau Geste foi o único romance de sucesso do escritor P.C. Wren. Foi levado ao cinema três vezes. A versão mais célebre é a de 1939, com Gary Cooper no papel principal.
Desde o fim da II Guerra Mundial a Legião não aceita criminosos. A vida pregressa do voluntário é checada em busca de antecedentes criminais – a mudança ocorreu para impedir o alistamento de nazistas. Mas esta não foi a regra por 120 anos. Por causa do passado de seus integrantes, os oficiais da Legião, todos eles franceses, precisaram desde a formação da unidade em 1831 manter uma disciplina particularmente severa, uma disciplina tão férrea que se tornou lendária.
Isto me lembra algo que vi em 1991. Os Estados Unidos e seus aliados, entre eles a França, se preparavam para invadir o Kuwait e expulsar as tropas de Saddam Hussein, na Primeira Guerra do Golfo. Lembro ter assistido na CNN a entrevista com um americano que servia como legionário. O sujeito era um ex-marine, o corpo de fuzileiros navais, a tropa de elite por excelência dos Estados Unidos. Era um daqueles homens que não conseguem viver longe do exército. Ele estava na Legião havia dois anos. Com a experiência adquirida, garantiu sem vascilar: “Os marines são uns frouxos!”
Não sei se os marines são frouxos. Só sei as poucas histórias que meu avô me contou sobre os seus anos na Legião. Em 1930, Lassu Gyulo se alistou em Marselha com o nome de Jules Antoine Lassu. De Marselha, seguiu para o quartel-general da Legião, que ficava em Sidi Bel Abbes, na Argélia. Foi lá que recebeu seu treinamento, antes de ser enviado a Marrakesh, no Marrocos.
Não sei se os marines são frouxos. Só sei as poucas histórias que meu avô me contou sobre os seus anos na Legião. Em 1930, Lassu Gyulo se alistou em Marselha com o nome de Jules Antoine Lassu. De Marselha, seguiu para o quartel-general da Legião, que ficava em Sidi Bel Abbes, na Argélia. Foi lá que recebeu seu treinamento, antes de ser enviado a Marrakesh, no Marrocos.
Em 1912, o Marrocos havia sido retalhado entre espanhóis e franceses. As tribos tuaregues do Saara lutavam contra os invasores. Entre 1920 e 1925, os tuaregues derrotaram e trucidaram 15 mil militares espanhóis. Aí vieram os franceses. Ao custo de 25 mil baixas, em sua maioria legionários, a França conseguiu controlar o Marrocos em 1930.
Entre 1930 e 1935, os anos que meu avô viveu em Marrakesh, a guerra tinha sido vencida e o trabalho era de pacificação. Não quer dizer que tenha sido tranquilo. Longe disso.
Júlio falava com saudade da Legião, dos amigos que fez e das dificuldades que enfrentou. Os legionários viviam em treinamento, e eram comuns marchas forçadas de 50 ou 70 quilômetros pelo Saara, carregando equipamento completo de 40 quilos num calor de 50 graus. Numa dessas marchas, a tropa subiu os montes Atlas, uma cordilheira que separa o Marrocos no meio. Mesmo em meio ao Saara, no inverno há neve no topo dos Atlas. Meu avô contou-me como, ao acordar com o toque da alvorada, os legionários eram obrigados a limpar a neve da frente das barracas com suas escovas de dente. Fazia parte do treinamento. Por que usar uma pá para limpar a neve quando se tem uma escova de dente?
Júlio nunca me falou se havia combatido em batalhas no deserto nem se teria atirado ou matado alguém, embora eu suspeite que a resposta para as duas questões fosse afirmativa. Ele me contou que seu regimento tinha quatro baterias de canhões e ele operava numa delas. Cada canhão era alimentado e disparado por uma equipe de 12 legionários. Certa vez, não sei se em batalha ou num treinamento, a bateria ao lado da sua explodiu. O obus a ser disparado explodiu dentro do cano matando todos os doze homens.
Na Legião só havia uma regalia. A comida e o vinho. O treinamento era duro, a disciplina ríspida e os riscos enormes. A válvula de escape era a cantina. Meu avô conta que a comida na Legião era muito boa, em nada comparada à bóia insossa do restante do exército. Não só a comida era boa, como podia-se comer a vontade. E o vinho também era servido sem restrições.
Meu avô sentia orgulho de ter sido legionário, o mesmo orgulho que sentia ao afirmar que ele era francês! Apesar disto, confessou mais de uma vez que jamais teria suportado outros cinco anos como legionário. “É tempo demais”.
Ao se desligar da Legião em 1935, Júlio foi morar em Paris. Lá conheceu minha avó, Bárbara, que havia imigrado da Hungria. Eles se casaram em 1938 e passaram a Segunda Guerra na Paris ocupada pelos nazistas. Minha avó é judia. Foi lá que minha mãe nasceu. Elas sobreviveram por milagre. Em 1946, os três vieram para o Brasil (leia mais em “Uma parte da minha família voltou a existir hoje”).
Eu cresci ouvindo as histórias do meu avô, da sua vida na Legião, da vida na Paris ocupada, o Dia D, a chegada dos americanos, a liberação de Paris, a derrota nazista, o fim da guerra e a volta à Hungria para procurar familiares sobreviventes dos campos de concentração - não havia nenhum.
Suas memórias da Legião contaminaram minha infância. Foi quando comecei a alimentar o sonho de repetir os passos do meu grande herói e, um dia, eu também me tornar um legionário.
Não era para ser. Jamais seria aceito. Eu era tremendamente míope (após a cirurgia, não sou mais). Não, esta é uma desculpa. A verdade é que quando fiz 18 anos, meus interesses eram outros. O sonho de infância não ultrapassou a adolescência.
Meu avô morreu aos 85 anos, em 30 de janeiro de 1996, portanto há exatos 15 anos. Em 6 de setembro de 2010, teria completado 100 anos. Ainda sinto muito sua falta. Acho que nunca vou deixar de sentir.
Quando olho o meu filhinho de 4 anos, o Théo, vejo um moleque troncudo, forte e destemido. As costas largas, os brações, o espírito aventureiro, Théo herdou de mim - e eu do meu avô. Ao olhar meu filho, sinto estar descobrindo uma versão renovada de meu querido avô. Júlio teria adorado conhecer seu bisneto. E o Théo teria adorado brincar com o “biso”.
Qualquer dia, quando Théo for maiorzinho, vou levá-lo ao cemitério da Consolação, no centro de São Paulo. É lá, na cripta dos ex-combatentes da França, que meu avô descansa. Vovô fez 100 anos. Parabéns, querido.
Coluna de legionários no início do século XX
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