A Terra é azul, disse o russo Yuri Gagarin quando contemplou em 1961 o globo de que saíra sua pequena cápsula, tornando-se o primeiro homem a fazer um voo orbital.
E que frase. Tão simples e perfeita. Decerto que os cientistas e as pessoas informadas já tinham ideia de que a Terra, vista do espaço, era azul. Mas era preciso mais. Era preciso a testemunha ocular. E Yuri testemunhou. De fato, ela era.
Às vezes me pego a pensar nessa frase: a Terra é azul. E fico imaginando aquele sujeito ali, sozinho, tão longe de casa acalentado somente pelo vácuo e pela vontade de ir até onde ninguém foi.
Dizem que quem vai tão longe nunca mais é o mesmo. Os que pisaram na lua, alguns se tornaram místicos, outros passaram a agir de modo estranho. Nunca mais se é o mesmo.
Yuri, um homem no espaço, aos seus 27 anos, talvez tenha visto a Terra, azul, e pensado que, naquele instante mesmo em que olhava, nascimentos, mortes, assassinatos, crimes e gestos bondosos aconteciam simultaneamente. Aos milhares, aos milhões. Mas não podiam ser vistos de onde estava. Estavam muito pequeninos para serem vistos. Muito pequenos para serem significativos.
(Alessandro Martins)
A Terra fotografada a 6,4 bilhões de km pela Voyager 1 em 1990
Em fevereiro de 1990, quando a Voyager 1 completava a sua missão de visitar e fotografar os planetas Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, os gigantes gasosos do Sistema Solar, recebeu um comando "especial" da NASA para girar, mirar e fotografar a Terra vista de muito longe, então a 6,4 bilhões de km. A incrível imagem obtida está lá no topo deste post. As linhas coloridas são ilusões ópticas provocadas pela luz solar no sistema de lentes. Sendo menos científico e mais poético, na foto parece que a Terra está suspensa num raio de Sol.
Esta imagem inspirou Carl Edward Sagan (1934-1996) a escrever em 1994 o livro Pale Blue Dot (Pálido Ponto Azul), exatamente o que somos ou parecemos ser vistos de 6,4 bilhões de km de distância. Em 1996, ano de sua morte, em uma conferência, Sagan fez uma belíssima reflexão sobre esta histórica imagem da pequenez da Terra observada de tão longe. Reproduzo-a abaixo:
Olhe de novo para esse ponto. É a nossa casa, isso somos nós.Nele, todos a quem amamos, todos a quem conhecemos, qualquer um de quem escutamos falar, cada ser humano que existiu, viveram as suas vidas. O agregado da nossa alegria e do nosso sofrimento, milhares de religiões, ideologias e doutrinas econômicas, cada caçador e colheitador, cada heroi e covarde, cada criador e destruidor de civilizações, cada rei e camponês, cada casal de namorados, cada mãe e pai, cada criança cheia de esperança, cada inventor e explorador, cada mestre da moral e da ética e cada político corrupto, cada superestrela, cada líder supremo, cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu aí, num grão de pó suspenso num raio de sol.
A Terra é um cenário muito pequeno numa vasta arena cósmica. Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, na sua glória e triunfo, vieram eles ser amos momentâneos de uma fração desse ponto. Pense nas crueldades sem fim infligidas pelos moradores dum canto deste pixel aos quase indistinguíveis moradores de algum outro canto, quão frequentes as suas incompreensões, quão ávidos de se matar uns aos outros, quão veementes os seus ódios.
As nossas exageradas atitudes, a nossa suposta auto-importância, a ilusão de termos qualquer posição de privilégio no Universo, são desafiadas por este pontinho de luz pálida. O nosso planeta é um grão solitário na grande e envolvente escuridão cósmica. Na nossa obscuridade, em toda esta vastidão, não há indícios de que vá chegar ajuda de alguém que possa nos salvar de nós próprios.
A Terra é o único mundo conhecido, até hoje, que alberga a vida. Não há mais algum, pelo menos num futuro próximo, para onde a nossa espécie possa emigrar. Visitar, sim. Assentar-se, ainda não. Gostemos ou não, por enquanto, a Terra é onde temos de ficar.
Tem-se falado da astronomia como uma experiência criadora de firmeza de caráter e humildade. Não há, talvez, melhor demonstração das tolas e vãs soberbas humanas do que esta distante imagem do nosso minúsculo mundo. Para mim, acentua a nossa responsabilidade para nos portarmos mais amavelmente uns para com os outros, e para protegermos e acarinharmos o pálido ponto azul, o único lar que conhecemos.
Independente de religião (e até mesmo de acreditar-se ou não em um Deus ou numa inteligência suprema), não há como negar que "... amar ao próximo como a si mesmo" é uma boa, simples e eficiente receita de viver bem. Sagan traduz esse sentimento religioso para a instância científica quando afirma, a partir da nossa pequenez diante do Universo, registrada fotograficamente num experimento controlado, que toda a soberba humana não faz sentido. Pelo contrário, só aumenta a "... responsabilidade de nos portarmos mais amavelmente uns para com os outros".
É com esta reflexão, emprestada do genial Sagan, no que poderíamos chamar de quase fronteira entre a ciência e a religião, que desejo a você, habitante do pálido ponto azul, um
excelente ano de 2011!!!
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